28.2.10

O bom professor

Acabo de ler uma instigante entrevista com o professor António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa, na Revista Educação, nº 154.
É de uma simplicidade e clareza que assombra.
Nela aborda aspectos interessantes da minha profissão, leiam abaixo:

Sabemos todos que é impossível definir o "bom professor", a não ser através dessas listas intermináveis de "competências", cuja simples enumeração se torna insuportável. Mas é possível, talvez, esboçar alguns apontamentos simples, sobre o trabalho docente nas sociedades contemporâneas.

O conhecimento. Aligeiro as palavras do filósofo francês Alain: Dizem-me que, para instruir, é necessário conhecer aqueles que se instruem. Talvez. Mas bem mais importante é, sem dúvida, conhecer bem aquilo que se ensina. Alain tinha razão. O trabalho do professor consiste na construção de práticas docentes que conduzam os alunos à aprendizagem.

A cultura profissional. Ser professor é compreender os sentidos da instituição escolar, integrar-se numa profissão, aprender com os colegas mais experientes. É na escola e no diálogo com os outros professores que se aprende a profissão.

O tato pedagógico. Quantos livros se gastaram para tentar apreender esse conceito tão difícil de definir? Nele cabe essa capacidade de relação e de comunicação sem a qual não se cumpre o ato de educar. E também essa serenidade de quem é capaz de se dar ao respeito, conquistando os alunos para o trabalho escolar. No ensino, as dimensões profissionais cruzam-se sempre, inevitavelmente, com as dimensões pessoais.

O trabalho em equipe. Os novos modos de profissionalidade docente implicam um reforço das dimensões coletivas e colaborativas, do trabalho em equipe, da intervenção conjunta nos projetos educativos de escola.

O compromisso social. Podemos chamar-lhe diferentes nomes, mas todos convergem no sentido dos princípios, dos valores, da inclusão social, da diversidade cultural. Educar é conseguir que a criança ultrapasse as fronteiras que, tantas vezes, lhe foram traçadas como destino pelo nascimento, pela família ou pela sociedade. Hoje, a rea­lidade da escola obriga-nos a ir além da escola. Comunicar com o público, intervir na sociedade, faz parte do ethos profissional docente.

Querendo ler a íntegra (vale a pena), clique aqui.

19.2.10

A educação e o governo Lula

O governo Lula teve boas iniciativas na área educacional: promulgação do Fundeb; piso nacional para os professores; sistema de avaliação externa.

Quanto ao primeiro item aqui mencionado não se trata apenas de mudança de sigla, trocar FUNDEF pelo FUNDEB, mas sim de incluir neste último o ensino médio e a educação de jovens e adultos. Para maiores informações sobre o FUNDEB é só clicar aqui.

Já a implantação do Piso Salarial dos Professores – leia detalhadamente clicando aqui – rompe com o aviltamento profissional da categoria e coloca para a sociedade a necessidade de tratar tal profissional com o devido respeito.

As avaliações sobram: Provinha Brasil (2º ano do Ensino Fundamental); Prova Brasil (5º e 9º anos do Ensino Fundamental); ENEM (concluintes do Ensino Médio) e ENADE (Ensino Superior), estes são os principais instrumentos, contamos ainda com outros diversos instrumentos.

Para tantos aspectos positivos, podemos apontar outros tantos negativos.

Comecemos.

1 – as verbas para educação ainda são insuficientes. Numa entrevista, faz pouco tempo, Mário Sérgio Cortella defendeu que tal verba deveria consumir algo como 10% do PIB.

Também necessitamos aprimorar a gestão destas verbas, isso seria possível com plena participação popular nos Conselhos Escolares (clique aqui para saber o que é isso).

A existência dos Conselhos, bem como seu funcionamento, deveria ser objeto de uma ampla campanha publicitário-educativa, fomentando assim sua implantação e pleno desenvolvimento. Da maneira como está colocado ele é apenas mais uma, dentre tantas, formalidades existentes.

2 – o Piso Salarial dos Professores foi uma boa iniciativa, mas carece de um acompanhamento mais amplo. Falta um Plano de Carreira estimulante, que movimente o professor intelectualmente, recompensando-lhe esforços para o aprimoramento profissional. Por outro lado cabe também aqui uma ampla discussão com os sindicatos, bem como com toda a comunidade escolar, para elaboração de uma avaliação de desempenho da atividade docente.

Claro é que tal avaliação não pode ficar restrita ao desempenho dos alunos nos exames externos, como o quer o governo do estado de São Paulo, simplificando algo tão complexo.

Como funcionário público de um setor tão caro ao país o profissional do magistério deverá receber de maneira clara e inequívoca uma série de deveres inerentes à profissão e desempenhá-los com zelo e cuidado.

3 – as avaliações sobram, conforme já relatado no início deste texto. Parece-me que a dificuldade está em resolver o que fazer com o resultado delas. Neste sentido o Ideb parece no caminho correto (leia aqui sobre o Ideb), pois abarca uma série de medidores e, segundo o portal do MEC: “A partir da análise dos indicadores do Ideb, o MEC ofereceu apoio técnico ou financeiro aos municípios com índices insuficientes de qualidade de ensino. O aporte de recursos se deu a partir da adesão ao Compromisso Todos pela Educação e da elaboração do Plano de Ações Articuladas (PAR).”.

Os outros instrumentos avaliativos deveriam percorrer o mesmo caminho, ou seja, partindo do resultado traçar metas de aprimoramento e não ficar apenas no resultado.

O ENEM – Exame Nacional de Ensino Médio – merece uma consideração particular. Neste ano de 2009 o MEC meteu os pés pelas mãos. Ao tentar mudar o seu caráter expôs toda a sua fragilidade. Uma mudança abrupta causou traumas que, penso eu, serão de difícil superação.

Além da questão, vamos dizer, técnica do vazamento da primeira prova, apareceram vário problemas pedagógicos na segunda prova. O exame ficou muito parecido com os vestibulares, assim a única vantagem do estudante é com a economia de taxas de exames. A quantidade de questões fez da prova uma maratona de resistência e não um exame de conhecimentos ou habilidades.

Some-se a isso a proliferação de cursos universitários, que explodiram no governo anterior é verdade, e temos um quadro que muito ficou a dever se comparado ao discurso do PT, partido majoritário na coligação governista, com relação à educação.

No tocante ao ensino superior as instituições federais receberam mais apoio, comparando-se com os 8 anos do governo FHC e mais estudantes, principalmente os mais pobres, chegaram ao ensino superior, graças ao PROUNI que fez uma magnífica transferência de renda do poder público para as instituições privadas, muitas delas de qualidade acadêmica duvidosa.

Pela importância que a educação sempre recebeu por parte do PT e muitos dos partidos aliados (PC do B, PSB e PDT principalmente), pelo lugar que o tema sempre ocupou nas campanhas eleitorais do Lula imaginava que teríamos muito mais.

O governo fez pouco, essa é a verdade.

14.2.10

Ainda sobre educação...

Faz tempo linquei ao lado, na indicação de leituras, o blog Cremilda Dentro da Escola.

Embora discordando da maioria dos escritos da citada Cremilda, imaginei que o blog apresentasse, de modo coerente, a visão de alguns pais e mães sobre os problemas da escola pública.

Acompanhei-o por um tempo e depois me desencantei. A visão sobre a educação é bastante rústica e os textos tratam de atacar os professores, acusando-os, quase sempre, de responsáveis por tudo de errado que acontece na educação e, principalmente na educação em São Paulo.

O meu principal desapontamento foi com o texto Como educar meu professor. Uma obra de péssimo gosto.

De autoria de Mauro A. Silva é apresentada assim:

“A cartilha “Como educar meu professor” foi idealizada por termos identificado que a maior parte dos professores são mal educados, mal formados e muito “folgados”…

As faculdades e universidades parecem meras vendedoras de diplomas… vendem diplomas em 36 prestações mensais sem juros…”

Onde estão os dados que comprovam tal afirmação? Quem é este Mauro A. Silva que parece conhecer todos os professores deste país? Sim, pois somente conhecendo-os poderia afirmar que a “maior parte” é assim ou assado.

Em dado momento chega a afirmar que o salário do professor, R$ 1.500,00 por uma jornada de 40 horas/semanais, segundo o autor, é bom.

Note que nos textos as responsabilidades do poder público são sempre arranhadas e há uma permanente luta do bem (alunos, pais, Cremilda etc.) contra o mal (professores, dirigentes, políticos etc.).

Essa forma de pensar é muito tosca e inaceitável.

Tenho amigos e familiares no magistério público, tanto municipal quanto estadual, honrando a profissão e nem de longe fazendo as barbaridades que o blog relata.

Existem professores indignos de estarem na sala de aula? Claro que sim, mas profissionais ruins e infelizes existem em todas as áreas: médicos, motoristas, pedreiros, engenheiros, secretárias, jornalistas etc.

Também existem ótimos profissionais, que adoram sua profissão em todas essas áreas.

Cremilda ganharia muito mais se estimulasse a participação nos Conselhos de Escola, se oferecesse instrumentos para que tais participações fossem reais, com amplo exercício de cidadania.

Recuperar a escola pública não pode equivaler à destruição do papel do professor como condutor do processo em sala de aula.

A escola não é a única “produtora” da educação, ela ocupa um pequeno espaço desse processo. A educação começa em casa, na família e prossegue no grupo social, nas práticas cotidianas; a escola responsabiliza-se pelo saber escolar e por parte da socialização dos indivíduos. O professor é um profissional, de fato ele não é pai, mãe, irmão ou amigo. Também não é terapeuta.

Vamos exigir do poder público, equipes multidisciplinares nas escolas, com psicólogos, fonoaudiólogos, oftalmologistas, dentistas, enfim, toda a gama de profissionais que possam orientar e dar suporte às famílias e aos alunos.

Como diria meu sábio avô: cada macaco no seu galho!

A educação vai de mal a pior

Vejam o anúncio publicado na Folha Online de hoje (14/2/10):

PROFESSORES (AS) Pedagoga, c/ exp.alfabetiazalçao e series eniciais do encino fundamental, em escola particular.Residir na Zona Sul. Enviar CV para: valeria@colegioxxxxxxx.com.br ou andrea@colegioxxxxxxx.com.br

O "xxxx" foi por minha conta, mas querendo conferir basta clicar aqui.

11.2.10

A polêmica sobre a atualização dos índices de produtividade da agropecuária

Abaixo segue um texto tratando de um tema urgente e necessário. Embora sem tempo para cumprir a promessa - de avaliar aquilo que considero erros maiores do governo Lula -, continuo minhas leituras e, nessa garimpagem, pensei que o texto caberia como uma luva na discussão da questão agrária.

Imagino que um dos maiores erros deste governo foi não ter feito avançar a reforma agrária. Se compararmos o plano de reforma agrária da campanha, idealizado pelo professor Plinio de Arruda Sampaio, com metas até mesmo modestas, com aquilo que foi de fato realizado, a decepção é imensa.

O governo anunciou novos parâmetros para a produtividade agrícola, índices que não são revistos desde a década de 1970 e depois recuou, num autêntico ato de traição aos movimentos sociais que lutam pela terra, preferiu alinhar-se aos latifundiários.

Fiquem com o texto:

A polêmica sobre a atualização dos índices de produtividade da agropecuária

Se a agropecuária brasileira é, como tem sido alardeado amplamente pelos porta-vozes do agronegócio, um exemplo de modernização tecnológica, transformando solos antes considerados inférteis em áreas de altíssima produtividade, porque tantos protestos contra a atualização dos índices?

Em agosto de 2009, chegou à mídia mais uma rodada de discussões sobre a necessidade atualizar os índices de produtividade da agricultura brasileira. O Ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, com o apoio do chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Luis Dulci, anunciou que a medida seria tomada em breve. Na ocasião, o ministro declarou que os novos índices eram “confortáveis para quem produzia na média regional” e deu alguns exemplos de áreas, reconhecidas como de domínio do agronegócio, que estariam abaixo dos valores efetivamente atingidos em safras anteriores. O ano findou, mas os índices não foram atualizados.

O tema não é novo. Os índices atualmente vigentes, calculados a partir do grau de utilização e de exploração econômica da terra, baseiam-se em números fornecidos pelo Censo Agropecuário de 1975, quando a modernização da agricultura e da pecuária brasileira dava seus primeiros passos. De lá para cá, essas atividades incorporaram muita tecnologia, tanto mecânica quanto química, além de avançarem no terreno das biotecnologias. No entanto, os índices nunca foram recalculados.

Em 2003, o MDA iniciou estudos para que fosse possível essa atualização. Para que os novos valores passem a vigorar, é necessária a oficialização, feita por meio de uma portaria interministerial, que deve ser assinada tanto pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário quanto pelo da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Quando o estudo feito pelo MDA foi enviado para análise do Ministério da Agricultura, então dirigido por Roberto Rodrigues, este argumentou sobre a necessidade de novos estudos técnicos. Às vésperas das eleições presidenciais, em 2006, o governo decidiu não tocar mais no assunto, uma vez que logo se evidenciou que a medida proposta tinha um enorme potencial de gerar tensões. Decorridos dois anos do segundo mandato do presidente Lula, cresceu a pressão dos movimentos sociais (principalmente MST, mas também Contag), novos estudos foram feitos, e o governo, mais uma vez, anunciou, em meados de 2009, que iria atualizar os índices.

Para ler o restante da matéria é só clicar aqui.

3.2.10

Entrevista com Prof. Aziz Ab'Saber

Carolina Oms
Especial para Terra Magazine

Chove há 42 dias seguidos na cidade de São Paulo. Sobe para 70 o número de mortes causadas pelas chuvas no Estado, segundo balanço divulgado pela Defesa Civil nesta terça-feira, 2. Os temporais tiraram de casa mais de 26 mil pessoas.

O geógrafo Aziz Ab'Saber atribui à natureza sua parcela de culpa nas tragédias, mas não esquece a responsabilidade dos governantes:
- Agora, não adianta o governador dizer: 'foi a chuva que ocasionou isso'. Ele tem que saber que há um período que vem desde dezembro de 2009 e atravessou o ano inteiro de 2010 e só vai terminar depois dos meados de março.
Desses 42 dias de chuva, a maioria deles intensificou o já caótico trânsito da metrópole, alagou ruas e interditou túneis. Ab'Saber critica a falta de planejamento das obras: "Os dois túneis que a ex-prefeita Marta Suplicy (PT) aprovou no fim de seu governo, para dizer que fez obras, no mesmo estilo de (Paulo) Maluf (PP), sem qualquer previsão de impacto".
Professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), Ab'Saber estuda geografia há 68 anos e é considerado um dos principais nomes da área em atividade do país.

Leia os principais trechos da entrevista:

Terra Magazine - Nesta terça, 2, choveu pelo 42º dia seguido na cidade de São Paulo. No Estado e na sua capital, tem ocorrido deslizamentos, enchentes, mortes, alagamentos...
Aziz Ab'Saber - Temos problema em toda a parte do Estado de São Paulo, tanto em Atibaia por causa das represas, quanto na capital, por causa das ruas e das beiradas do rio Tietê. É um ano em que as fortes chuvas atingem setores não urbanizados, como é o caso das represas, então nós estamos em período muito triste.

TM: Os governantes estão culpando as chuvas, que realmente não tem dado trégua, mas dá para culpar somente a natureza em um caso como esse?

A natureza é culpada por causa do El Niño, é um ano anômalo, isso não tenha dúvida. Agora, não adianta o governador dizer: "foi a chuva que ocasionou isso". Ele tem que saber que há um período que vem desde dezembro de 2009 e só vai terminar depois dos meados de março, estamos em um verão anômalo devido à periodicidade climática. No passado já houve algumas grandes chuvas e alagamentos, mas eram muito menores os danos, porque as cidades cresceram muito de um modo não só caótico, mas desigual. Alguns lugares têm escoamento bom e outros não têm. Um rio como o Pirajussara, tem trechos que são de canais, depois tem trechos de encarceramento, depois de encarceramentos muito fracos e depois outras obras, etc. Então o crescimento da cidade foi extensivo e diversificado, com grandes problemas quando vêm períodos de chuva forte.

TM: Um exemplo é o buraco da Avenida Nove de julho, que abriu outra vez...

Há córregos importantes que formam o rio Tamanduateí, um deles, onde está a Avenida 23 de maio, e o outro, a Avenida Nove de Julho, e têm uma predição de escoar tudo que cai dos setores mais altos dessas avenidas. No caso do Pacaembu fez-se aquele piscinão e se conseguiu resolver o problema, mas no caso desses dois, não. Não dá pra fazer um piscinão na frente do túnel da Nove de Julho, não dá. E o resultado é que, quando chove, entra por baixo dos canais da avenida e aflora em alguns lugares por excesso de escoamento.
Cada local tem a sua especificidade e necessita de estudos específicos. Os dois túneis que Marta Suplicy aprovou no fim de seu governo, para dizer que fez obras, no mesmo estilo do Maluf, foram construídos sem qualquer previsão de impacto. E agora nesse ano, que foi um ano anômalo, a situação tornou-se grave.

TM: Houve também a queda de encosta na rodovia Presidente Dutra...

Nos locais de terra vermelha que é um solo fofo, em alguns lugares onde o talude não foi bem estabilizado, as grandes chuvas entram por dentro do solo e acontecem os deslizamentos em função das chuvas e da declividade dos taludes (NR: talude é o plano inclinado que limita um aterro. Tem como função garantir a estabilidade do aterro).

TM: O nível de água nos reservatórios do Estado também preocupa, não?

As represas que tentaram retirar água das encostas da Mantiqueira Ocidental e de outras serras deixaram terrenos baixos e menos alagados, a população foi entrando nessas faixas e os governantes deixaram. E agora essas populações, estão ameaçadas pelo excesso de água dessas represas - o caso de Atibaia, por exemplo, é seríssimo - e estão desesperadas. Elas entraram nesses vales na frente da barragem e nunca se lembraram que a barragem poderia arrebentar.

TM: As áreas ao redor do rio Tietê têm sido cada vez mais impermeabilizadas; o
Governo do Estado diz que a contrapartida das árvores retiradas da Marginal Tietê são as árvores que estão sendo plantadas ou re-plantadas nos parques lineares.

Isso não adianta nada. Isso serve para eles dizerem que estão trabalhando. Isso vai ter importância se houver grandes chuvas rio acima, mas as massas de água vêm de rio acima.