3.2.10

Entrevista com Prof. Aziz Ab'Saber

Carolina Oms
Especial para Terra Magazine

Chove há 42 dias seguidos na cidade de São Paulo. Sobe para 70 o número de mortes causadas pelas chuvas no Estado, segundo balanço divulgado pela Defesa Civil nesta terça-feira, 2. Os temporais tiraram de casa mais de 26 mil pessoas.

O geógrafo Aziz Ab'Saber atribui à natureza sua parcela de culpa nas tragédias, mas não esquece a responsabilidade dos governantes:
- Agora, não adianta o governador dizer: 'foi a chuva que ocasionou isso'. Ele tem que saber que há um período que vem desde dezembro de 2009 e atravessou o ano inteiro de 2010 e só vai terminar depois dos meados de março.
Desses 42 dias de chuva, a maioria deles intensificou o já caótico trânsito da metrópole, alagou ruas e interditou túneis. Ab'Saber critica a falta de planejamento das obras: "Os dois túneis que a ex-prefeita Marta Suplicy (PT) aprovou no fim de seu governo, para dizer que fez obras, no mesmo estilo de (Paulo) Maluf (PP), sem qualquer previsão de impacto".
Professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), Ab'Saber estuda geografia há 68 anos e é considerado um dos principais nomes da área em atividade do país.

Leia os principais trechos da entrevista:

Terra Magazine - Nesta terça, 2, choveu pelo 42º dia seguido na cidade de São Paulo. No Estado e na sua capital, tem ocorrido deslizamentos, enchentes, mortes, alagamentos...
Aziz Ab'Saber - Temos problema em toda a parte do Estado de São Paulo, tanto em Atibaia por causa das represas, quanto na capital, por causa das ruas e das beiradas do rio Tietê. É um ano em que as fortes chuvas atingem setores não urbanizados, como é o caso das represas, então nós estamos em período muito triste.

TM: Os governantes estão culpando as chuvas, que realmente não tem dado trégua, mas dá para culpar somente a natureza em um caso como esse?

A natureza é culpada por causa do El Niño, é um ano anômalo, isso não tenha dúvida. Agora, não adianta o governador dizer: "foi a chuva que ocasionou isso". Ele tem que saber que há um período que vem desde dezembro de 2009 e só vai terminar depois dos meados de março, estamos em um verão anômalo devido à periodicidade climática. No passado já houve algumas grandes chuvas e alagamentos, mas eram muito menores os danos, porque as cidades cresceram muito de um modo não só caótico, mas desigual. Alguns lugares têm escoamento bom e outros não têm. Um rio como o Pirajussara, tem trechos que são de canais, depois tem trechos de encarceramento, depois de encarceramentos muito fracos e depois outras obras, etc. Então o crescimento da cidade foi extensivo e diversificado, com grandes problemas quando vêm períodos de chuva forte.

TM: Um exemplo é o buraco da Avenida Nove de julho, que abriu outra vez...

Há córregos importantes que formam o rio Tamanduateí, um deles, onde está a Avenida 23 de maio, e o outro, a Avenida Nove de Julho, e têm uma predição de escoar tudo que cai dos setores mais altos dessas avenidas. No caso do Pacaembu fez-se aquele piscinão e se conseguiu resolver o problema, mas no caso desses dois, não. Não dá pra fazer um piscinão na frente do túnel da Nove de Julho, não dá. E o resultado é que, quando chove, entra por baixo dos canais da avenida e aflora em alguns lugares por excesso de escoamento.
Cada local tem a sua especificidade e necessita de estudos específicos. Os dois túneis que Marta Suplicy aprovou no fim de seu governo, para dizer que fez obras, no mesmo estilo do Maluf, foram construídos sem qualquer previsão de impacto. E agora nesse ano, que foi um ano anômalo, a situação tornou-se grave.

TM: Houve também a queda de encosta na rodovia Presidente Dutra...

Nos locais de terra vermelha que é um solo fofo, em alguns lugares onde o talude não foi bem estabilizado, as grandes chuvas entram por dentro do solo e acontecem os deslizamentos em função das chuvas e da declividade dos taludes (NR: talude é o plano inclinado que limita um aterro. Tem como função garantir a estabilidade do aterro).

TM: O nível de água nos reservatórios do Estado também preocupa, não?

As represas que tentaram retirar água das encostas da Mantiqueira Ocidental e de outras serras deixaram terrenos baixos e menos alagados, a população foi entrando nessas faixas e os governantes deixaram. E agora essas populações, estão ameaçadas pelo excesso de água dessas represas - o caso de Atibaia, por exemplo, é seríssimo - e estão desesperadas. Elas entraram nesses vales na frente da barragem e nunca se lembraram que a barragem poderia arrebentar.

TM: As áreas ao redor do rio Tietê têm sido cada vez mais impermeabilizadas; o
Governo do Estado diz que a contrapartida das árvores retiradas da Marginal Tietê são as árvores que estão sendo plantadas ou re-plantadas nos parques lineares.

Isso não adianta nada. Isso serve para eles dizerem que estão trabalhando. Isso vai ter importância se houver grandes chuvas rio acima, mas as massas de água vêm de rio acima.

Nenhum comentário: