23.1.10

Ainda uma breve avaliação do governo Lula

Em outubro escrevi um texto apontando o que eu considerava os maiores acertos do atual governo, isso foi em 3/10, é só clicar aqui para reler.

Prometi que voltaria ao tema apontando os maiores erros. Para isso pedi a colaboração dos leitores do blog.

Recebi alguns comentários e também alguns e-mails sobre a postagem.

Os maiores problemas apontados, com os quais concordo, foram as questões ambiental e agrária. Somo a esses dois a educação.

Dr. Miguel, lá do RS, clique aqui para lê-lo, leitor atento, sugeriu-me que os maiores críticos ao governo Lula são aqueles que votaram contra ele. Concordo, mas não penso que estejam errados.

Os eleitores de Serra, que nele votaram por convicção, devem combater o governo Lula, assim como os petistas combateram o governo FHC. Isso não me incomoda, o que me deixa transtornado é o discurso preconceituoso e fascista de alguns críticos e, principalmente, da mídia.

Além disso, devemos lembrar que um governante governa para todos e não somente para os seus eleitores.

Também não devemos esquecer a Carta ao povo brasileiro (clique aqui se deseja ler). Tenho claro que o governo que assumiu em 2003 havia renunciado a muitas bandeiras históricas do PT e, se assim não o fizesse, não teria sido eleito.

Além das três questões elencadas acima – ambiental, agrária e educacional – temos que lamentar a prática constante da fisiologia no trato da coisa pública. Dirão uns que isso é inerente ao sistema e concordarei, mas quando Lula tomou posse, em 2003, tinha respaldo popular para enfiar uma grande reforma política goela abaixo dos crápulas contumazes e apenas vimos surgir novos crápulas, associados aqueles antigos e tudo continuou como dantes.

Pois bem, a partir de amanhã vamos destrinchar um pouco mais essas questões.

O dia em que os tucanos acabaram com as enchentes em São Paulo

Peguei essa dica no site Vi o Mundo que, por sua vez, havia recebido de um leitor.
Querendo conferir a autenticidade da peça é só clicar aqui.

20.1.10

Garrincha - o poeta da bola

Hoje faz 27 anos que ele morreu!

A história do Haiti é a história do racismo na civilização ocidental - por Eduardo Galeano

Ler o que Eduardo Galeano escreve é sempre emocionante. Vejam como em poucas linhas ele consegue nos contar sobre o Haiti:

A história do Haiti é a história do racismo na civilização ocidental

Por Eduardo Galeano, em Resumen Latinoamericano, via Resistir.info

A democracia haitiana nasceu há um instante. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raoul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca ideia de querer um país menos injusto.

O voto e o veto

Para apagar as pegadas da participação estadunidense na ditadura sangrenta do general Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha eleito nem sequer com um voto.

Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe:

– Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido.

O álibi demográfico

Em fins do ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Mal chegaram, a miséria do povo feriu-lhes os olhos. Então o embaixador da Alemanha explicou-lhe, em Porto Príncipe, qual é o problema: – Este é um país superpovoado, disse ele. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.

E riu. Os deputados calaram-se. Nessa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou os números. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, mas está tão superpovoado quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilômetro quadrado.

Durante os seus dias no Haiti, o deputado Wolf não só foi golpeado pela miséria como também foi deslumbrado pela capacidade de beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado... de artistas.

Na realidade, o álibi demográfico é mais ou menos recente. Até há alguns anos, as potências ocidentais falavam mais claro.

A tradição racista

Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do Citibank e abolir o artigo constitucional que proibia vender as plantations aos estrangeiros. Então Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis pela invasão, William Philips, havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que haviam deixado os franceses".

O Haiti fora a pérola da coroa, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com mão-de-obra escrava. No Espírito das leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até a cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e, sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro".

Em contrapartida, Deus havia posto um açoite na mão do capataz. Os escravos não se distinguiam pela sua vontade de trabalhar. Os negros eram escravos por natureza e vagos também por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir o amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrava o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal como o papagaio que fala algumas palavras".

A humilhação imperdoável

Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes a sua independência, mas tinha meio milhão de escravos a trabalhar nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.

A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém lhe comprava, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.

O delito da dignidade

Nem sequer Simón Bolívar, que tão valente soube ser, teve a coragem de firmar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar havia podido reiniciar a sua luta pela independência americana, quando a Espanha já o havia derrotado, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano havia-lhe entregue sete naves e muitas armas e soldados, com a única condição de que Bolívar libertasse os escravos, uma ideia que não havia ocorrido ao Libertador. Bolívar cumpriu com este compromisso, mas depois da sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvo. E quando convocou as nações americanas à reunião do Panamá, não convidou o Haiti mas convidou a Inglaterra.

Os Estados Unidos reconheceram o Haiti apenas sessenta anos depois do fim da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque têm pouca distância entre o umbigo e o pênis. Por essa altura, o Haiti já estava em mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de perdão por haver cometido o delito da dignidade.

A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental.

Eduardo Galeano é escritor

Fonte: http://carosamigos.terra.com.br/index_site.php?pag=revista&id=&iditens=473

15.1.10

Sobre a tragédia no Haiti

Claro que temos nossas próprias tragédias, mas esta que assola o pequeno país da América Central destaca-se pela emergência.
Então não se trata de fazer uma competição para saber qual tragédia é a pior. A dor que sentimos próxima é sempre maior do que aquela que está distante. Por isso temos que lidar com o máximo de fraternidade para entender a dor alheia.
Também podemos reclamar dos governantes de diversos países que foram céleres e generosos para evitar que bancos e empresas quebrassem na crise de 2008 e agora oferecem pequenas migalhas para aquele povo tão sofrido. Mas qual a novidade neste tipo de ação?
Os projetos de apoio e solidariedade aparecem por todos os lados. Só penso que devemos cuidar para auxiliar as instituições sérias e corretas.
Para ter a dimensão da tragédia clique aqui e veja uma coletânea de fotos impressionantes.
Clicando aqui você lê uma ótima iniciativa de cobertura jornalística do terremoto e suas consequencias.
Mas não é só solidariedade. Muitas bobagens são ditas nestas horas. Umas mais graves e outras menos.
Leia aqui as bobagens ditas pela Sandy - aquela que fazia dupla com o Júnior - sobre a tragédia.
Abaixo o comentário, para lá de absurdo e estúpido, do Cônsul do Haiti em São Paulo.

Blackout




13.1.10

A mídia e o Programa Nacional de Direitos Humanos

Que o jornalismo empresarial brasileiro caminha rapidamente para o buraco não é novidade!
Que lhe falta credibilidade e honestidade até as portas sabem, mas, ainda assim, as chamadas do Jornal Nacional, a capa da Veja e as manchetes da Folha, Estadão, O Globo e congêneres continuam a fazer a cabeça da "classe média" nacional. Infelizmente! Quer seja por falta de tempo, comodismo ou simples ignorância mesmo.
Reproduzo abaixo, copiando do Vi o Mundo, artigo que mostra de maneira resumida e exemplar a desinformação e desonestidade que campeia no debate sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos III:

DIREITOS HUMANOS
O jornalismo derrotado

Por Marcos Rolim em 12/1/2010
Reproduzido do sítio
Gramsci e o Brasil, 12/1/2010

Via Observatório da Imprensa, sugestão do Gustavo Paim Pamplona

A julgar pelos noticiários, um fantasma assola o Brasil: o Programa Nacional de Direitos Humanos em sua terceira versão (PNDH-III). Todas as potências da Santa Aliança unem-se contra ele: setores da mídia, políticos conservadores, o agronegócio, os militares e a cúpula da Igreja. Os críticos afirmam que o programa propõe a "revisão da Lei de Anistia", que é autoritário ao propor "controle sobre os meios de comunicação", além de ser "contra o agronegócio". Radicalizando, houve quem – fora dos manicômios – identificasse no texto disposição por uma "ditadura comunista". É hora de denunciar esta farsa onde a desinformação se cruza com o preconceito e a manipulação política.
Auxiliei a redigir o texto final do Programa, juntamente com os professores Paulo Sérgio Pinheiro e Luiz Alberto Gomes de Souza. A parte que me coube foi a da Segurança Pública, mas participei de todos os debates. Assinalo, assim, que a 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos havia proposto uma "Comissão de Verdade e Justiça"; nome que traduzia a vontade de "investigar e punir" os responsáveis pelas violações durante a ditadura. O PNDH-III, entretanto, propôs uma "Comissão da Verdade", porque prevaleceu o entendimento de que o decisivo é a recuperação das informações, ainda sonegadas, sobre as execuções e a tortura.

Prática democrática
O Programa não fala em "revisar a Lei da Anistia"; pelo contrário, afirma que a Comissão deve "colaborar com todas as instâncias do Poder Público para a apuração de violações de Direitos Humanos, observadas as disposições da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979". Para quem não sabe, a lei citada é a Lei de Anistia. A notícia, assim, era o afastamento da pretensão punitiva. O caminho escolhido, como se sabe, foi o oposto; o que não assinala informar mal, mas desinformar, simplesmente.
No mais, é interessante que os críticos nunca tenham se manifestado quando, no período do presidente Fernando Henrique Cardoso, propostas muito semelhantes foram apresentadas. Senão vejamos: no que diz respeito aos conflitos agrários, o PNDH-I (1996) já propunha "projeto de lei para tornar obrigatória a presença no local, do juiz ou do Ministério Público, no cumprimento de mandado de manutenção ou reintegração de posse de terras, quando houver pluralidade de réus, para prevenir conflitos violentos no campo, ouvido também o Incra". O PNDH-II, seis anos depois, repetiu a proposta.
Qual a novidade, neste particular, do PNDH-III? Apenas a ideia de mediação dos conflitos; prática que tem sido usual e que seria institucionalizada por lei. A senadora Kátia Abreu, então, pode ficar tranquila. Se o governo apresentar o projeto, ela terá a chance de se posicionar contra a mediação de conflitos e exigir que o tema seja resolvido à bala, como convém a sua particular concepção de democracia.

Reação vexatória
Quanto à reação ao tal ranking de veículos comprometidos com os direitos humanos, o assombro é ainda maior, porque o primeiro PNDH trouxe a ideia de: "Promover o mapeamento dos programas de rádio e TV que estimulem a apologia do crime, da violência, da tortura, das discriminações, do racismo, [...] e da pena de morte, com vistas a [...] adotar as medidas legais pertinentes". A mesma proposta foi repetida no PNDH-II.
Assinale-se que o PNDH-II propôs, além disso: "Apoiar a instalação do Conselho de Comunicação Social, com o objetivo de garantir o controle democrático das concessões de rádio e TV [...] e coibir práticas contrárias aos direitos humanos" e "Garantir a fiscalização da programação das emissoras de rádio e TV, com vistas a assegurar o controle social [...] e a penalizar as empresas [...] que veicularem programação ou publicidade atentatória aos direitos humanos".
Uau! Não são estas as armas dos inimigos da "liberdade de expressão"? Mas, se é assim, por que os críticos não identificaram o "ovo da serpente" na época?
Mais uma vez, ao invés de aprofundar o debate sobre as políticas públicas, a maior parte da mídia se deliciou com a reação vexatória dos militares, com o oportunismo da direita e com o medievalismo da Igreja, e o fez às custas da informação, para não variar.

Nota do Viomundo: De quebra, golpeia-se a ideia de que os cidadãos brasileiros, independentemente de filiação partidária, participem da formulação de políticas públicas, quaisquer que sejam as políticas públicas. É um retrocesso democrático proporcionado por aqueles que dizem defender a democracia! É a democracia dos coronéis, em que o bispo, o general e o dono do jornal se reuniam para decidir o que podia e o que não podia -- e não estou falando do que podia ou não ser feito, mas do que podia ou não ser proposto, já que todos os três PNDH, os do FHC e o de Lula, são meras proposições. É o mau jornalismo a serviço do retrocesso político, é a recompensa ao jornalismo-cafajeste praticado no Brasil.




Fonte: Vi o Mundo

9.1.10

Faz muito tempo que digo que o Brasil precisa fazer um grande acerto de contas com sua história recente. Só olhando em profundidade o que aconteceu e os desmandos da ditadura militar poderemos impedir que tal se repita.

É absurdo o tratamento que os programas de História do Brasil dedicam a este período recente do nosso país, para alguns é como se não houvesse existido.

Por isso precisamos investigar, descobrir e denunciar publicamente os assassinos e torturadores. Tortura é muito diferente de combate e de guerra.

Sobre a anistia e a Comissão da Verdade

Irrevogável não é a lei de anistia. Irrevogáveis são os direitos e garantias individuais referidos na Constituição Federal (arts. 5º, 60, parágrafo 4º. inc. IV), justamente os que mais que sofreram sob a ditadura, muitos dos quais até hoje carentes de reparação. O terrorismo de Estado não pode ser igualado à luta que se empreendeu contra ele, de resto, quase toda ela, punida sem defesa, na época em que se verificou, coisa que não ocorreu com os responsáveis pela truculência oficial. O artigo é de Jacques Távora Alfonsin.

A polêmica acesa com a ameaça de demissão do ministro da Defesa e de chefes militares, criada a partir de um decreto da presidência da república que institui uma "comissão nacional da verdade", capaz de possibilitar modificação da lei de anistia, está dividindo a opinião de juristas e políticos, ao ponto de, segundo alguns, gerar uma crise constitucional de efeitos graves.
O problema todo parece ter sido criado pela interpretação que se está dando ao Decreto presidencial 7037 de 21 de dezembro passado, que aprovou o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3, cuja Diretriz 23 (Reconhecimento da memória e da verdade como Direito Humano da cidadania e dever do Estado) estabeleceu como Objetivo Estratégico I, o seguinte:
Promover a apuração e o esclarecimento público das violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política ocorrida no Brasil no período fixado pelo art. 8o do ADCT da Constituição, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
Ação Programática: a) Designar grupo de trabalho composto por representantes da Casa Civil, do Ministério da Justiça, do Ministério da Defesa e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, para elaborar, até abril de 2010, projeto de lei que institua Comissão Nacional da Verdade, composta de forma plural e suprapartidária, com mandato e prazo definidos, para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política no período mencionado, observado o seguinte: (seguem-se várias condições de execução)
Das muitas opiniões que a imprensa tem publicado, a respeito, uma das que defende qualquer impossibilidade de modificação da lei de anistia, do modo juridicamente menos defensável, por incrível que pareça, pode ser a de um ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, que escreve semanalmente na Zero Hora.
Entende o referido autor que a irrevogabilidade da anistia reside no fato de que "a anistia pode ser mais ou menos justa, mas não é a justiça seu caráter marcante. É a paz. No arco-íris social, com suas contradições, essa me parece ser a nota dominante." (edição de 4 de janeiro corrente).
Partindo de quem parte essa opinião, ela não deixa de surpreender por três razões principais:
1. A paz jamais conquistará ser vivida e gozada pelo povo todo, com fundamento outro que não o da justiça. Outra base só pode encontrar alguma "razão" em quem ignora uma simples relação de causa e efeito, pois a justiça é um fundamento indispensável, inafastável, necessário, da paz. Desde as origens latinas, como estudantes de primeiro semestre de muitas faculdades desse estudo ainda aprendem, "opus iustitiae pax" (a obra da justiça é a paz).
Pobre do tal arco-iris social, então. A lembrança não poderia ser mais infeliz. Segundo a imagem bíblica, o arco-iris foi colocado por Deus como sinal de sua reconciliação com o povo todo depois do dilúvio. A diferença, no caso, é que o dilúvio da ditadura brasileira, cujas águas ainda se encontram longe de dar pé a quem ousou contestar as suas violações de direitos humanos, é feito de um ódio que continua desafiando qualquer arco capaz de abrigar iris suficiente para iluminar a história com a verdade que, agora, a tal Comissão pretende viabilizar.
Pelas reações iradas que se tem ouvido, se essa ainda nem teve tempo para elaborar o projeto de lei previsto na ação programática da diretriz 23 do PNDH-3, imagine-se o que acontecerá se ela conseguir redigi-lo e obtenha concordância do Executivo para ele ser encaminhado ao Congresso Nacional.
2. Uma argumentação como a do referido articulista, portanto, em favor da irrevogabilidade da lei, explica porque, volta e meia, branda suas lições, algumas repassadas de ironia, contra a impunidade que, a seu ver, costuma seguir-se às ações de gente pobre sem-terra e sem-teto que ocupa terras, a isso coagida pela miséria e pela opressão social de que é vítima. Como pensam outros juristas de mesmo perfil ideológico ao dele, aquela é uma paz que pode conviver com a injustiça social refletida nessas defesas de vida, dignidade e cidadania.
É um tipo específico de paz, discriminatório, reservado para uma classe, de preferência privatista e patrimonialista, que garanta tranqüilidade para alguns, mesmo ao preço da insegurança e do sofrimento da maioria. Tudo aquilo que um Estado autenticamente democrático e de direito repudia como materialmente falso, injusto.
3. É lícito concluir-se que, de acordo com esse raciocínio sobre a lei de anistia, o status militar, o passado político de quem abusou do poder, prendeu, torturou, matou, deve continuar guardando a sua podridão disfarçada, assim como os sepulcros caiados, a anistia impondo fazerem-se iguais impunidade e imunidade. Bem na linha dos chavões que estão circulando: "Não abrir de novo velhas feridas", "não mexer com fatos (e principalmente poderes) que afetem a disciplina militar", "não revogar uma lei que pacificou o país", "o terror não se fez sob responsabilidade exclusiva do Estado".
Esses são argumentos usados por quantos ainda não se convenceram que feridas fechadas podem esconder doenças encubadas, que militares e outros agentes públicos não têm outros poderes senão os delegados pelo povo, numa autêntica democracia, e foi pela desobediência desse princípio, exatamente, que o país viveu um período da sua história marcado por sofrimento, tortura, morte e injustiças que mantêm muitas feridas ainda abertas.
O terrorismo de Estado não pode ser igualado à luta que se empreendeu contra ele, de resto, quase toda ela, punida sem defesa, na época em que se verificou, coisa que não ocorreu com os responsáveis pela truculência oficial. Isso, aliás, pode ser deduzido pela visível destinação que teve o parágrafo 2º do art. 1º da lei de anistia (6883 de 28 de agosto de 1979): "Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal."
Não é possível comparar, por exemplo, os objetivos que a repressão executada pelo Delegado Fleury buscava, com aqueles que, de tão cruelmente perseguidos e sofridos, levaram Frei Tito a se suicidar, fora da pátria e do povo que defendeu com tanto ardor.
Irrevogável, ao contrário do que apregoa o ex-ministro, não é a lei de anistia. Irrevogáveis são os direitos e garantias individuais referidos na Constituição Federal (arts. 5º, 60, parágrafo 4º. inc. IV), justamente os que mais que sofreram sob a ditadura, muitos dos quais até hoje carentes de reparação.
É mais do que hora, portanto, de se defender essa Comissão da Verdade, para que as vergonhosas violações de direitos humanos, executadas por sucessivas ditaduras brasileiras, algumas registradas em publicações como "Brasil nunca mais" e "Batismo de sangue" (Frei Betto), para lembrar apenas duas das mais conhecidas, não sigam estimulando, escondidas em segredo oficial, a repetição de infidelidades históricas que o Estado brasileiro já praticou contra o seu povo.
(*) Jacques Távora Alfonsin é advogado do MST e procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.

Fonte: CartaMaior

7.1.10

Projeto enchentes

Excelente iniciativa! Solidariedade de verdade, sem discurso demagógico de "otoridade"!
Clique aqui para acessar a página do Projeto enchentes.

Estamos nos caminhos das águas

Como temia aquele personagem do Asterix: "o mundo está desabando sobre nossas cabeças".
Antes que comecem a nos ameaçar com o fantasma do aquecimento global, convem algumas observações de cunho geográfico.
Outro dia disse no tuiter que o problema não é a natureza, mas a falta dela. Claro que não dá para explicar em 140 caracteres, tentemos aqui então.
A região atingida mais gravemente no atual verão pelas chuvas, como Angra dos Reis (RJ) e São Luiz do Paraitinga (SP), sem esquecer a capital paulista, pertence ao domínio morfoclimático dos Mares de Morros (1). Este domínio caracteriza-se por apresentar relevo íngreme, com acentuadas declividades e grande quantidade de chuva no verão. Originalmente era tomado pela floresta da Mata Atlântica.
Essa caracterização é encontrada em qualquer livro de Geografia do Brasil e consta do programa de ensino da escola básica para a área de ciências humanas.
Meus alunos devem lembrar que quando tratamos disso, tratamos também do impacto da degradação da vegetação – começou mais ou menos em 1500 – e também da ocupação desordenada do solo, fruto da especulação imobiliária e da ausência de políticas públicas para combater as desigualdades sociais.
Essa ausência de planejamento urbano levou a ocupação das encostas e das várzeas, lugares para os quais a natureza determinou papeis importantes, além de compor a paisagem dos anúncios de condomínios e pousadas.
As várzeas servem para o transbordo dos rios na época das cheias – verão – sendo este o seu papel. A preservação destas áreas, bem como da mata ciliar, é condição para o equilíbrio e a sobrevivência dos rios.
Vejam o caso da capital paulista. Várzeas ocupadas irregularmente, matas ciliares inexistentes, leitos assoreados e canalizados. Tudo o que não se pode fazer com um curso d’água fizemos com os rios, córregos e riachos da capital paulista.
Some-se isso a impermeabilização do solo – concreto e asfalto – e temos o resultado catastrófico.
Os bairros que surgem nas margens dos rios quase sempre são fruto da especulação imobiliária e da completa ausência do Estado na organização do uso e ocupação do solo urbano.
O primeiro instrumento de planejamento integrado da Região Metropolitana da Grande São Paulo (RMSP) é de 1971. Ele e todos os outros posteriores tornaram-se letra morta perante os interesses das forças políticas e econômicas que sempre comandaram essa cidade, com exceção de raros e curtos períodos.
No próximo texto abordarei Angra dos Reis e São Luiz do Paraitinga.

(1) http://is.gd/5Sbvy

5.1.10

De volta à labuta

Devagar a vida vai voltando ao normal. Fim das festas, ano novo se abrindo...

Claro que alguns privilegiados ainda esperarão o carnaval chegar, mas para a grande maioria dos brasileiros o tempo não para, como dizia o poeta.

As desgraças se sucedem: Angra dos Reis, Cunha, São Luiz do Paraitinga... São Paulo, a capital, tem um temporal atrás do outro.

Culpa da natureza? Óbvio que não!

Residem aqui e acolá algumas culpas individuais, mas os maiores responsáveis por essas tragédias de verão, que ocorrem ano após ano, com maior ou menor gravidade, são aqueles que abdicam de planejar e favorecem a especulação imobiliária. São aqueles que veem apenas o lucro, menosprezando as vidas humanas.

Governantes omissos, para dizer o mínimo, deveriam responder nas urnas e na Justiça por estes crimes.