31.12.14

2014: últimos suspiros!



Sim, 2014 está acabando. Neste ano passamos pela eleição mais apertada desde a redemocratização. A proposta vencedora terá um desafio maior do que a vitória eleitoral: governar pelos próximos quatro anos!
O ano será marcado pela entrada definitiva das redes sociais na vida das pessoas. Tanto no que tange a participação na política, quanto na vida privada.
Também uma marca inquestionável é a exposição de pensamentos fascistas, além de elevados déficits civilizatórios.
Sabemos que o machismo, sexismo, homofobia, racismo etc. sempre existiu e são elementos constituintes da nossa sociedade. A batalha para mudar isso é incessante!
Até então me parece que, embora existente, a sociedade achava que era feio assumir-se assim, tão retrógrado, tão século XVIII/XIV. A partir desde ano as pessoas perderam o pudor e também a modéstia e a cretinice rolou solta pela Internet. Na televisão as piadas horrorosas e preconceituosas ganharam espaço, comentaristas de telejornais passaram a defender o linchamento puro e simples dos “bandidos”. A extrema direita conquistou fatias importantes do eleitorado país adentro. Pessoas foram para as ruas pedir a volta da “ditadura militar”, esquecendo-se da desgraceira que tomou conta do país nos mais de 20 anos dessa tragédia.
O governo Dilma tem início com tarefas importantes, mas dentre elas destaca-se a necessidade urgente de uma ampla reforma política. Terá que ser feita, mesmo com esse Congresso e só acontecerá com grande pressão popular.
A educação tem alcançado, paulatinamente, melhores condições de financiamento, falta reformar a sua essência para buscar alimentar a criticidade das novas gerações. Os professores precisam de melhor preparo, como regra geral, para gerar intervenções humanistas e transformadoras, tendo como objetivo uma sociedade mais justa e igualitária.
Definitivamente nosso sistema representativo caducou, é preciso reinventá-lo e recuperar a importância da política para os mortais comuns, sob pena de, em breve, entregarmos nossos destinos às forças fascistas.
Se em quatro anos o governo liderado por Dilma conseguir realizar uma reforma política de qualidade, reestruturar o sistema educacional e ampliar a distribuição de renda, com a consequente diminuição da desigualdade, será um governo vitorioso!
Que venha 2015!

28.11.14

Campeões de Matemática e da vida



Recentemente, os jornais e a TV apresentaram ao Brasil a pequena Cocal dos Alves, cidade do norte do Piauí, com aproximadamente 7 mil habitantes, que ostenta um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano do país. A localidade é muito carente de recursos, os salários são baixos e a renda média da comunidade é próxima de 1 salário mínimo.
O sonho da maioria de seus habitantes era migrar para o Rio de Janeiro e lá conseguir um emprego que possibilitasse sua sobrevivência. Para aqueles que permanecessem na cidade, os empregos estavam no campo, no pequeno comércio ou na prefeitura.
Esse sonho tem mudado. Hoje, muitos jovens estão em Teresina, capital do estado, cursando a universidade; alguns já alcançaram o mestrado. O destino do sonho da maioria desses jovens foi invertido: desejam voltar para sua comunidade e ajudar a transformá-la.
Em Cocal dos Alves, floresceu uma experiência educacional que está dando o que falar: uma escola pública que consegue obter resultados expressivos no Enem, nos vestibulares das universidades públicas e nas olimpíadas de Matemática, seu grande, mas não único caso de sucesso no cenário educacional. Estamos falando da Escola de Ensino Médio Augustinho Brandão.
Como explicar tamanho sucesso se tudo conspirava contra a escola? Segundo a diretora Aurilene Vieira Brito, esse trabalho frutificou por meio de dedicação e comprometimento do corpo docente, que, com sua garra e vontade, conseguiu envolver o corpo discente na tarefa do aprendizado.
Ainda segundo ela, a intensificação do trabalho em sala de aula e o acompanhamento focado no aprendizado do aluno fez com que os resultados aparecessem. Com esses resultados em mãos, a comunidade começou a pressionar o Estado para melhorar a infraestrutura. Isso explica o prédio novo e em boas condições, os novos laboratórios, o acesso à internet e a implantação do ensino em período integral.
O professor de Matemática Antonio Amaral, responsável pelo sucesso na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), divide com a equipe pedagógica – composta por 10 professores, a diretora e um coordenador pedagógico – as vitórias obtidas.
A escola soma 153 medalhas na Obmep, além de várias menções honrosas, tem premiação também nas Olimpíadas de Química, Astronomia, de Foguetes, além de desempenho excelente em redações, como as do Concurso Jovem Senador e a redação do Enem.
Em sua página do Facebook, a escola noticia com indisfarçável orgulho que sua aluna Maria Isadora, do 6º ano, está entre os 38 finalistas da Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa.
O sucesso acadêmico dessa escola põe por terra as teses daqueles que defendem o “determinismo social” e, ao mesmo tempo, reafirma que uma boa gestão e pessoas comprometidas podem sim fazer uma educação de boa qualidade.
            Tal constatação não isenta o Estado, pelo contrário, de investir em melhor estrutura das unidades educacionais, na formação do corpo docente e em sua boa remuneração.
É notório, em comunidades como a de Cocal dos Alves, que as famílias depositam as fichas de um futuro melhor para seus filhos na escola, enquanto que nas localidades com mais oportunidades, a escola implora por maior participação e apoio das famílias dos educandos no processo de ensino-aprendizagem.
Claro que não se trata de querer que a escola de Ensino Médio Augustinho Brandão seja copiada Brasil afora, mas é um caso que merece ser estudado pelos pesquisadores da Educação, tanto pelo sucesso pedagógico, obtido nas avaliações externas, como pelo processo de gestão, pois aparentemente os recursos, que são poucos, são muito bem aplicados e geridos. Outro fator interessante é a forma como os docentes estimulam a ligação dos educandos com a comunidade, a ponto destes desejarem a ela retornar para aplicar os conhecimentos obtidos na capital.
            Um dos exemplos desse vínculo é o jovem Izael de Brito Araújo, que alcançou fama nacional há alguns anos, quando ganhou um prêmio de R$ 100 mil num programa de TV. Ele foi convidado a cursar o Ensino Médio como bolsista no melhor colégio particular de Teresina, mas preferiu ficar em Cocal dos Alves, na Escola de Ensino Médio Augustinho Brandão.
Em 2013, Izael, que cursava o 2º ano do Ensino Médio, voltou a ser destaque na mídia: foi aprovado para o curso de medicina na Universidade Estadual do Piauí.
Os educadores dessa escola, na pequena e pobre cidade do norte do Piauí, fazem valer um ensinamento do mestre Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”.

Fonte: Edições SM – Canal Somos Mestres – Notícias da Educação. Disponível em: www.edicoessm.com.br/#!/somosmestres/noticia-detalhes?news=37

27.11.14

Marighella - painel de memórias e reflexões


O Enem 2014, as críticas e a educação brasileira

Edilson Adão Cândido da Silva e Laercio Furquim Jr*

A prova de ciências humanas e suas tecnologias da edição do Enem 2014, realizada em 9 de novembro, teve um tom crítico e caracterizou-se pela alta qualidade. Foi pautada por um forte teor social e tocou em temas polêmicos, como se espera de uma prova de humanidades comprometida com a excelência acadêmica. Não foram poucos os educadores que se viram representados nela. No entanto, a partir de uma interpretação equivocada, ou mesmo desconhecendo as diretrizes básicas da normatização educacional brasileira, alguns poucos enxergaram na prova um tal “aparelhamento político”, muito nos parecendo uma transferência para o debate educacional do verdadeiro “fla-flu” em que se convertera os embates entre petistas e tucanos verificado no último pleito presidencial. O debate por esse caminho distorce o verdadeiro caráter avaliador que a prova fizera, ao nosso ver, de forma adequada.
Provavelmente, essa reação fora motivada pelos temas inquietantes em que a prova ousou abordar, como a situação das negras e dos negros na sociedade brasileira e a decorrente política de ação afirmativa; consumismo exacerbado e publicidade infantil, abordados pela filosofia e tema da redação; a (i)mobilidade urbana; desigualdade; direitos humanos e os 50 anos do golpe militar.
Esses críticos demostraram um certo “estarrecimento” perante o perfil da prova. Ora, o que é estarrecedor é alguém que se arvora educador protestar contra uma prova que toca nas feridas das mazelas sociais do país. Ignorar ou omitir a realidade social brasileira é que deve causar indignação. Reivindicar uma prova de humanidades que não se toque na temática da ação afirmativa, da cruel desigualdade brasileira, na responsabilidade da indústria automobilística em ter historicamente ao lado dos nossos dirigentes patrocinado o engessamento do tráfego nas metrópoles brasileiras, nas raízes históricas da política nacional, nas sequelas do regime militar é que deve causar estranheza.
Desde os anos 1990, quando teve início forte reformulação na educação brasileira com a segunda alteração da Lei de Diretrizes e Bases, criação das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCNs), entre outras iniciativas, independentemente de governo tucano ou petista, o tom da educação e dos educadores é progressista. A retomada de um discurso mais conservador é fenômeno do momento presente na sociedade brasileira, em que se vê até uma parcela dela pedindo a volta do regime militar. Provavelmente, seja o Brasil caso único no mundo atual: manifestações contra o regime democrático e pedindo um retorno à ditadura. Obviamente que isso não pode ser levado a sério e, muito menos, o processo educativo deve se pautar por tal pequeneza. Igualmente óbvio é que podem coexistir no ambiente escolar professores conservadores e progressistas, mestres de esquerda e de direita, já que seria hipocrisia negar que professores tenham suas opções ideológicas, produto de suas formações, mas a ideologia não pode poluir o processo pedagógico. O ENEM não fez isso e acusá-lo de aparelhamento beira a leviandade.
Inspirado no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), o exame foi criado em 1998 na gestão do ministro Paulo Renato, do PSDB, e, desde então, tornou-se um dos protagonistas da educação brasileira. Inicialmente, com o propósito de avaliar o desempenho do estudante em sua etapa conclusiva no ensino médio e balizador de políticas públicas, foi aprimorado  e convertido em ferramenta de acesso ao ensino superior a partir de 2009. Essa mudança levou o Enem a tornar-se um dos maiores exames seletivos do mundo e na última edição contou com mais de oito milhões de participantes. Ao nosso ver, precisa ser lapidado, melhorado, mas é um ganho a sua chegada como ferramenta de avaliação. A concentração dos exames numa única edição anual parece ser sua maior falha, pois a margem para riscos e falsas denúncias torna-se muito alta. Isso já deveria ter sido corrigido.
Contudo, há um projeto pedagógico por trás do exame, uma matriz curricular coerente e esse encaminhamento do Enem ajuda o professor no planejamento de suas aulas, assim como a preparação dos estudantes. As seis competências e trinta habilidades das humanidades têm sido corretamente cumpridas e nos parece que quem age de má fé na tentativa de desqualificar a prova, sequer sabe disso.
* Edilson Adão Cândido da Silva e Laercio Furquim Jr. são mestres em ciências pela USP e autores de Geografia em rede (editora FTD)

Fonte: Congresso em Foco

25.11.14

O novo governo Dilma


As especulações sobre a composição do Ministério do novo governo Dilma, a ser instalado em 1/1/2015, causa estragos à esquerda, além de certa frustração para parte do eleitorado que optou pelo projeto capitaneado por Dilma na última eleição.
Alguns amigos, reais e virtuais, desfilam análises bem interessantes, sejam elas críticas ou de apoio aos nomes especulados pela mídia.
Uma coisa é certa: Dilma caminhará nesse segundo mandato no fio da navalha. Não tem o estrondoso apoio que Lula obteve no seu primeiro mandato, nem a clamorosa aprovação que o mesmo obteve ao final do seu 2º mandato.
A eleição de Dilma foi dramática, por margem estreita de votos. A militância petista, outrora aguerrida nas ruas, mostrou sua força nas redes sociais, divulgando as realizações e propostas dos governistas e combatendo, incessantemente as mentiras atiradas pela mídia comercial.
Imaginava-se uma enorme guinada à esquerda no próximo mandato, mas esquecemos de combinar com os eleitores. Sim, para que isso acontecesse precisaríamos de uma enorme bancada de senadores e deputados progressistas. Isso não aconteceu. A chamada centro-esquerda perdeu assentos no parlamento.
Sem o parlamento não se governa no sistema presidencialista brasileiro, por mais incoerente que isso possa parecer. Então se faz necessário produzir uma coalizão de forças para garantir maioria, mesmo que ocasional e oscilante ao sabor dos ventos, ao governo.
Essa coalizão pode se dar de duas maneiras. Uma, construindo-se um novo programa de governo; outra, negociando-se cargos com os partidos que desejarem compor a base governista. Essa negociação pode ser transparente e sujeita às críticas dos opositores desse jogo, ou pode-se fazê-la a meia luz, de forma pouco clara.
Com certeza Dilma ficará com a possibilidade da negociação de cargos e, imagino eu, o fará de forma transparente, sem subterfúgios.
Na área econômica ela precisará aplacar a ira dos conservadores e estimular a atividade empresarial, por isso é óbvio que teremos gente do mercado atuando nesses ministérios, assim como no Banco Central.
A correlação de forças no Congresso pende mais para a direita, por isso a presidenta pisará em ovos para compor o Ministério. Deverá contemplar o PMDB (o partido está sempre com o governo, não importando quem seja governo), o PSD (do Kassab), além dos outros que integraram a campanha: PDT, PC do B, PP, PR, PROS e PRB.
Mesmo dentro dessa salada os partidos não são monolíticos, prova maior é o posicionamento do PMDB.
Em nome da governabilidade vários ministérios serão entregues aos grupos de centro-direita, mais afinados com o mercado. É a tal da realpolitik.
Espero apenas que isso não seja exagerado. Alguns símbolos do que há de pior no conservadorismo nativo não podem fazer parte do governo, tais como: grileiros, assassinos de trabalhadores, exploradores do trabalho escravo, homofóbicos e sexistas, fundamentalistas e viúvas da ditadura militar etc.
Aguardemos, no entanto, as indicações/nomeações por parte da presidenta para que possamos fazer uma avaliação correta, sem precipitações e sem seguir apenas o embalo da mídia comercial.

19.11.14

Carta Aberta à VUNESP, Professores e Vestibulandos

Carta Aberta à VUNESP, Professores e Vestibulandos
Partindo do real papel do vestibular na sociedade brasileira, qual seja, selecionar segundo critério meritocrático a entrada de estudantes nas universidades do país, falar desse processo seletivo obrigatório significa compreender que mesmo com a expansão da oferta de vagas efetuada na última década (através do Reuni, Prouni, Fies, entre outros Programas de acesso implementados nas universidades nos últimos anos, sobre os quais cabem críticas relevantes, porém não é o que nos pretendemos aqui no momento), ela ainda não é suficiente e, portanto, o vestibular continua ranqueando estudantes e deixando um grande número para o lado de fora dos muros das universidades públicas, ratificando a desigualdade econômica, de acesso à educação pública de qualidade, aos bens culturais e a meios de comunicação mais democráticos.
Nesse contexto, as provas dos vestibulares geraram e continuam gerando discussões na sociedade em geral a partir dos temas levantados nas questões de cada ano, (re)colocando muitas vezes assuntos importantes na ordem do dia, com base num conteúdo cientificamente embasado e utilizando-se de autores expressivos da sociologia, filosofia, história, geografia, literatura etc. para fazer com que os candidatos reflitam sobre o que se espera que respondam.
Porém, tendo em vista o último vestibular da Unesp -que coloca em cheque conceitos históricos que refletem a história política, econômica e cultural brasileira- vimos por meio desta carta, nos manifestar a respeito de algumas questões que ferem gravemente a legitimidade do vestibular que oferece acesso a esta Universidade, bem como seu estatuto científico, ambos frutos de conquistas às quais sempre fomos instigados a respeitar e defender, enquanto ex-alunos desta Instituição.
Na questão 7, a temática da maternidade é apresentada de maneira absolutamente inapropriada para o momento histórico presente em que se coloca a questão de gênero como central nas análises sociais. Inexplicavelmente a Vunesp recupera uma anacrônica leitura da questão de gênero, concebendo-a a partir de parâmetros naturalizantes. Mesmo não encontrando qualquer evidência nos processos reais, o vestibulando é obrigado a ratificar uma visão que trata o tema como uma fatalidade biológica, se não mesmo como uma obrigação social ou moral da mulher. Se a máxima lançada por Simone de Beauvoir, há mais de sessenta anos ("Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a fêmea humana no seio da sociedade"), parece não incomodar a comissão elaboradora da prova, nos causa estranheza que não se sintam envergonhados por desrespeitar a obra daquela que foi provavelmente a mais destacada professora da Universidade Estadual Paulista em toda a sua história, Heleieth Saffioti, autora do clássico estudo "A mulher na sociedade de classes: mito e realidade".
Ainda em relação a esta questão, cabe frisar que não é o acesso -ou falta dele- à educação que faz de um grupo social uma minoria política, mas sim a desigualdade vivenciada na correlação de forças, na distribuição do poder existente na sociedade. Desse modo, reduzir toda a luta feminina a um singelo pedido por condescendência dos patrões em relação à 'vocação natural da maternidade' nos soa inadmissível.
Na questão 59, existe a tentativa não apenas de suavizar, mas sim de eximir as nações europeias por qualquer responsabilidade sobre as consequências negativas decorrentes do expúrio processo neocolonial que escravizou e explorou diversos povos africanos bem como as riquezas presentes em seus territórios, culpabilizando-os por sua atual situação de miséria, já que segundo o texto da questão, já haviam ali conflitos instaurados, antes da invasão das potências ocidentais. Nos sentimos como se a Unesp estivesse simplesmente negando os ensinamentos de referências como Florestan Fernandes (“A integração do negro na sociedade de classes” ou "O negro no mundo dos brancos"), Octavio Ianni ("As metamorfoses do escravo" ou "Cor e mobilidade social em Florianópolis" -em parceria com Fernando Henrique Cardoso), o pluralismo inaugurado por Levi-Strauss ("Raça e história") e fundamentalmente o método crítico de autores como Walter Benjamin ("Teses sobre a história") e Edward Palmer Thompson ("A história vista de baixo").
O autor joga uma nuvem de fumaça sobre a Conferência de Berlim (1884) e a partilha da África, com todas as suas consequências, portanto é negacionista. Depois, espontaneamente, faz uma alusão ao iluminismo (sem citar fontes), e nega os efeitos da presença de oligopólios europeus no Continente. Ou seja, a análise do texto não se sustenta nem como reles nota de roda pé de estudos consagrados dentro da tradição crítica de interpretação dos processos sociais. E é esta interpretação crítica que vem sendo valorizada em todos os documentos referenciais para o tratamento de tais fenômenos no campo das ciências humanas quando voltadas para o ensino fundamental e médio, para não dizer da educação em geral. É conhecida de todos nós, trabalhadoras e trabalhadores da educação, a resistência imposta pelas universidades públicas de São Paulo em adotar medidas que favoreçam a inclusão em seu meio de estudantes que fazem parte das minorias políticas, mas nem a tão defendida 'autonomia universitária' lhes dá o direito de fazer vista grossa para os Parâmetros Curriculares Nacionais em suas avalições admissionais.
Na questão 56, chegamos à conclusão de que o debate sobre o multiculturalismo e o relativismo cultural deseja relativizar as construções sociais e políticas mais profundas da Sociedade Brasileira e sugerir uma 'tolerância aos que intoleram'. O problema da questão da Vunesp não é quem escreve e nem quem é citado como referência, mas o que se escreve e a maneira como se questiona: o lugar e os termos a partir do qual se decide formular um problema e transformá-lo em questão para os vestibulandos.
Franz Fanon, lembrando daquilo que certa vez um professor seu lhe disse, afirmou: "sempre que você ouvir alguém maltratar um judeu, preste atenção, porque ele está falando sobre você [um negro]". Quer dizer, falar de diferença enquanto atraso e barbárie no Iraque pode ser também um jeito de falar, por exemplo, de populações indígenas no Brasil, sobre países ou populações africanas ou afro-brasileiras e por aí vai. Nossa preocupação com a questão envolve a linguagem e o formato no qual esta foi construída. Tal discurso, defensor do caráter hierárquico no trato das tradições culturais, pode até encontrar amparo ou legitimidade dentro daquela tradição denominada criticamente por Edward Said como 'orientalista', mas soa como 'palavra mofa' à luz da renovação crítica que a área dos estudos culturais sofreu nas últimas décadas.

Defendemos uma educação plural, que valorize a diversidade inesgotável no campo das ciências. O que não podemos fazer é nos calar diante de uma proposta educativa que se negue a ser crítica!
Esperamos que esta manifestação quebre o silêncio até agora existente a respeito do problema aqui apontado. O corpo docente parece alienado deste debate, não se incomodando com o fato do vestibular estar fazendo chacota aberta das teses e ideias que eles mesmos nos ensinaram nesta instituição que tem tão larga tradição de participação crítica no debate público nacional. Os estudantes também não se manifestaram publicamente a respeito da questão. Esperamos que o façam a partir de agora, e utilizando os mais variados instrumentos e meios de pressão. Como ex-alunos da Unesp, mas fundamentalmente como trabalhadoras e trabalhadores da educação, nos recusamos a acreditar que auxiliar os alunos a 'escovar a história a contrapelo' possa promover a seleção de respostas erradas nas provas admissionais.
Neste sentido, convidamos a todos que sintam-se representados por este documento que assine embaixo e divulgue da melhor forma que julgar possível. Mais que um texto nosso, é uma construção coletiva. 

Fonte: https://www.facebook.com/pages/Carta-Aberta-%C3%A0-Vunesp-Professores-e-Vestibulandos/747193165360116?fref=nf

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