20.2.08

Minha terra tem palmeiras e outros falantes!

Outro dia pedi a contribuição do colega José Ronaldo, doutor nas artes do falar bem, para que ele iluminasse as trevas do debate sobre a correção no falar nossa língua pátria. Por conta da crítica do Farol de Alexandria (by PHA), também conhecido como FHC à suposta ignorância do presidente Lula e também por conta dos preciosismos que tal discussão lançou na mídia nativa.
Agradeço-lhe imensamente a contibuição.
Eis:

Não faz muito tempo que as enfadonhas aulas de português eram aulas exaustivas de exposições de conteúdos GRAMÁTICA. Ou seja, aula de análise sintática. Localizar o sujeito, o adjunto adverbial, as funções inúmeras – 23? – do quê e do se e mais uma penca de termos soltos em frases e orações escritas em manuais puramente para este fim. A hegemonia da frase, geralmente, separada e desligada do mundo, da vida, do aluno, e, claro, do bom senso. Era como se vivêssemos num tempo ainda regido pelas discretas ordenações manoelinas, joaninas ou felipinas.
Contudo, com a universalização da educação, com o desenvolvimento de pesquisas sócio-lingüísticas e com a democratização ocorrida no país pós década de 80 a prática de ensino da língua passou por profundas transformações. Sendo assim, o avanço de tais pesquisas e de outros estudos sobre conexão entre linguagem, pensamento e mundo, já no início do século 20, começaram a derrubar os seculares dogmas gramaticais comprovando os mais vivazes preconceitos lingüísticos.
Além disso, também se evidenciou que a GRAMÁTICA apresenta apenas uma variedade padronizada do português - mas não a única – e nem sempre com sustentação científica. Neste sentido, o ensino da língua materna na escola dificultou, e muito, a formação de leitores e produtores de textos competentes. Porém, se, indiretamente ou diretamente, emperrou o desenvolvimento da cidadania, nem tanto prejudicou o mercado do ensino da língua.
A última década foi promissora aos empresários do idioma pátrio. O mercado de dvds, cds e manuais ensinando “a falar bem” rendeu alguns milhões de direitos autorais bem como aplausos e honrarias às celebridades da vez. Nunca falar correto foi tão lucrativo para alguns. A mídia mais festiva inclusive publicou no ano passado a quantidade exata de palavras que cada profissional de sucesso deverá dominar a fim de alcançar a glória. Por isso, caso o cidadão comum "queira estar se encaminhando" para realização financeira, não "poderá estar abrindo" mão do vocabulário pátrio. Mesmo se no meio do caminho tiver uma pedra, remova-a e faça parte do seleto grupo de empreendedores e vencedores, não se esquecendo de adquirir, com todo conforto e segurança, o mais novo dvd interativo com músicas e questões de gramática facilmente memorizáveis.
Contra aqueles que fugiram das aulas de análise sintática ou aqueles que não freqüentaram a escola, ou ainda contra os que não aprenderam a ordem dos termos da oração, coube os mais impiedosos preconceitos. Fulano não sabe falar; ou beltrano não leu os clássicos literários; ou sicrano não concorda sujeito e predicado. Por isso, tais “cidadões” são de uma classe inferior e são inferiores por não saberem falar e escrever corretamente.
A compreensão das relações entre texto e discurso e, como já dito antes, a formação de leitores e produtores competentes de enunciados e textos articulados com a cultura contemporânea devem ser os principais objetivos da escola que queira interromper o caminho da exclusão social e promover a inclusão de fato. O reconhecimento da língua como fundamento da subjetividade humana e elemento constituinte da identidade do sujeito permanece como o alvo de qualquer programa de ensino de língua materna que leve em conta os princípios básicos de uma verdadeira cidadania. A língua pertence aos falantes e seu ensino caminha junto com a prática da escrita e da leitura, prática essa o objetivo da aula de português.


Prof. José Ronaldo

Nenhum comentário: