Em 6 de julho foi aprovado, por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, um projeto que altera o Código Florestal brasileiro em seus pontos principais. Embora ainda tenha que ser aprovado no plenário da casa e passar pelo Senado para se transformar em lei, preocupa o fato de que tenha contado com o apoio da maioria expressiva dos deputados da comissão, mesmo sabendo que era dominada por ruralistas.
O projeto parte do princípio que a conservação de florestas é um ônus ao produtor e à produção agropecuária e que, como tal, deve ser afastado, pois o país precisa se “desenvolver”. Nesse sentido, permite que governos estaduais criem programas de “regularização ambiental” por meio dos quais os proprietários estariam desobrigados de recuperar áreas ilegalmente desmatadas, como exige a legislação atual. Basta que se reconheça que a ocupação está “consolidada”, ou seja, foi feita até julho de 2008. Uma vez regularizadas as ocupações, deixam de estar ilegais.
Mas como as leis da natureza não podem ser modificadas por caprichos humanos ou interesses corporativos, elas continuarão sendo imprudentes. Assim, por exemplo, as plantações de cana e as vilas residenciais situadas às margens do rio Mundaú, em Alagoas, vão continuar sendo alagadas nas fortes chuvas. Sem um mínimo de cobertura florestal na paisagem, as águas continuarão escorrendo rapidamente às calhas dos rios, que, cada vez mais assoreados, terão menos capacidade de abrigar a água que recebem sem transbordar e, uma vez transbordando, levam tudo o que encontrarem pela frente.
A lei atual proíbe a ocupação de áreas de risco e ainda exige que em todos os lugares exista um mínimo de vegetação nativa. Se tivesse sido cumprida, seguramente seriam muito menores os estragos ocorridos em Alagoas, em Angra dos Reis, no Vale do Itajaí, no Jardim Pantanal e em todos os outros lugares que entram e saem rapidamente dos noticiários quando começam as temporadas de chuva.
Grande parte dos produtores rurais do país está irregular com relação à legislação florestal, ou seja, não respeitaram a preservação das áreas determinadas pela legislação. Isso significa que há um grande número de pessoas que estão, nesse momento, prestando um “desserviço ambiental” à sociedade, assoreando rios, matando nascentes, derrubando encostas, extinguindo a biodiversidade. Muitos não fazem porque querem, mas porque foram levados a essa situação por uma longa sequência de equívocos e omissões do Poder Público e da sociedade como um todo. Todos queremos que essas pessoas deixem de estar na ilegalidade, ou seja, que por um lado estejam de acordo com as determinações do Código Florestal e que, por outro, e como consequência, protejam os recursos naturais vitais ao bem estar da sociedade e delas.
O deputado Aldo Rebelo, insuflado pelos ruralistas, não se preocupou em criar meios para que os proprietários hoje irregulares possam cumprir a lei protegendo os bens ambientais que ela visa tutelar. Se tivesse tido essa preocupação, teria proposto novas formas para apoiá-los a recuperar as áreas irregularmente desmatadas, ou seja, colocaria sobre a mesa instrumentos para fazer a lei “pegar” e, assim, o país proteger seus recursos naturais.
Adotou, no entanto, o caminho mais fácil, embora enganoso. Simplesmente enfraqueceu a lei para que, mesmo praticando um mau uso da terra, qualquer proprietário possa estar de acordo com ela e, portanto, formalmente regularizado. Assim, caso venha a se tornar lei, as enchentes, os rios secos, as áreas desertificadas, as florestas desmatadas passarão a ser “legais”. Você acha isso legal?
*Advogado e coordenador adjunto do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental.
Fonte: Portal Ibase
Publicado em 9/7/2010.
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