31.7.10

O papel do professor frente a mídia empresarial

O trabalho do professor em sala de aula enfrenta um desafio constante: como ser crítico – e alimentar essa criticidade no aluno – sem ser parcial?
Várias vezes me deparei com essa questão e vi colegas recorrendo ao discurso panfletário, confundindo o papel do professor – que não é de fazer cabeça – com o de guru.
Durante alguns anos fui professor de Atualidades de um cursinho pré-vestibular aqui em São Paulo. Os alunos e as alunas eram originários das melhores escolas de ensino médio de São Paulo e também de outros estados do país. Estudiosos – quase todos – enfrentavam o desafio de buscar uma vaga no prestigioso curso de Administração da Fundação Getúlio Vargas.
Também lecionava a mesma disciplina para jovens interessados em ingressar na ESPM – outra instituição de prestigio –, mas na área de comunicação.
Pois bem, a tarefa era selecionar notícias pertinentes a estes exames e trabalhá-las em sala com os alunos e alunas.
Ora, os jovens tinham em casa a Veja, Folha de S. Paulo, Estadão, O Globo e outras publicações do gênero. Eram raros aqueles que conheciam a CartaCapital, Le Monde Diplomatique ou sites com a qualidade do Luis Nassif Online.
Ao mesmo tempo os blogs ainda eram utilizados apenas como diários pessoais, poucas interferências políticas existiam nesse mundo.
Luiz Carlos Azenha, do Vi o mundo ou Paulo Henrique Amorim do Conversa Afiada, davam os primeiros passos nesse mundo virtual.
Cuidei primeiro de mostrar essas fontes desconhecidas e, quando era o caso, identificar sua origem ou posição ideológica, como é o caso do portal Agência Carta Maior, claramente de esquerda.
Levava para a sala de aula o confronto das visões dessas fontes com aquelas que eles estavam acostumados em casa.
Claro que gerou um grande desconforto e, à primeira vista, minha ideia não bem compreendida, pois alguns entenderam que eu queria fazer “a cabeça da moçada”.
Foi por volta de 2005 que comecei a usar o blog com mais freqüência para estes debates, principalmente por ocasião do tal “mensalão do PT”.
Sempre tive o cuidado de franquear a palavra no blog para todos, desde que se identificassem e fossem respeitosos.
A partir desse episódio percebi que devemos oferecer todas as opções de fontes informativas aos alunos. Claro que não precisamos levar até eles aquilo que eles já têm.
Precisamos mostrar o outro lado. Precisamos alimentá-los de informações e conhecimento.
Eles que decidam o que fazer com estas informações e conhecimento, não nos compete direcioná-los.
Por isso penso ser importante divulgarmos matérias como esta que está no Fazendo Média:
Documentos recentemente desclassificados do Departamento de Estado dos Estados Unidos através da Lei de Acesso à Informação (FOIA, por suas siglas em inglês) evidenciam mais de US$ 4 milhões em financiamento a meios e jornalistas venezuelanos durante os últimos anos.
Clique no título acima para ler a matéria na íntegra.
Ou ainda o Blog da Cidadania que nos oferece esta notícia:
Clique no texto para ler a matéria inteira.
São dois exemplos inquestionáveis do poder de informação e de análise dos blogs e sites fora do circuito comercial.
Assim cumprimos nosso papel de professores: abrimos portas e janelas que dificilmente nossos alunos e alunas teriam acesso sem o nosso auxílio.

3 comentários:

Cristina da Paz disse...

Achei muito pertinente você ter falado sobre levar aos alunos o que eles desconhecem. No entanto, acredito que isso signifique uma vertente dupla. Num cursinho em que a maioria lê Carta Capital e a considera uma bíblia, é importante mostrar o contraste com a Veja ou a Época e tentar fazer isso de modo a não ser mal interpretado. São duas vias interligadas, existem os dois opostos, é preciso estar atento para que a discussão da oposição seja rica e baseada em evidências. É como criticar Paulo Coelho sem nunca ter lido sequer uma linha do que ele escreve e não conseguir expressar de maneira coerente as razões que te levam a odiá-lo.

Sérgio de Moraes Paulo disse...

Toni,

li um editorial do Mino Carta no qual ele citava um jornalista estadunidense dizendo que não "não cobre neutralidade de um jornalista, mas honestidade".

Tenho essa preocupação também. Ás vezes me declaro explicitamente no que penso e defendo, outras silencio. Aprendi que depende muito do público. Assim como há professores que não sabem separar o pensamento da panfletagem, também há muitos alunos, pais, professores e coordenadores que não aceitam diversidade de opiniões. Mas acho que é o aprendizado duplo que nós temos: o primeiro pela história de repressão à liberdade de pensamento que temos no Brasil, tanto ideológico quanto religioso e moral; o segundo é a tecnologia que tanto permite tanto abosorver quanto gerar notícia.

Esse segundo aprendizado é universal. Falta muito ainda, mas creio que é muito mais questão de tempo.

Prof Toni disse...

Cristina, penso que as colocações do Sérgio foram perfeitas, assim como as suas. O difícil é encontrar alguém que tenha acesso fácil a CartaCapital e não tenha a revista Veja (a asquerosa!)!