O dinossauro se moveu
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
"O DINOSSAURO se moveu", declarou o ministro Mantega durante a reunião anual do FMI e do Banco Mundial, ocorrida há poucos dias. De fato, o Fundo é uma instituição pesada e bastante antiquada em muitos aspectos. Mostra dificuldades de adaptação à evolução do mundo, em especial ao crescente peso dos países emergentes.
Mas o dinossauro se moveu um pouco nessa reunião. O Brasil, em aliança com outros países, lutou para que a criatura começasse a vencer a inércia. Pela primeira vez, o comunicado final da reunião registrou o reconhecimento geral de que um aumento do poder de voto no FMI do conjunto dos países em desenvolvimento deverá ser um resultado da reforma em curso. Aceitou-se, também, que o PIB será a variável mais importante na nova fórmula de cálculo das quotas e que o PIB, medido em paridade de poder de compra, desempenhará um papel na reforma, critério que favorece os países em desenvolvimento.
O Brasil atuou em várias frentes. Coordenou, por exemplo, o encontro prévio do G4 (África do Sul, Brasil, China e Índia) em preparação à reunião do Fundo e aos próximos encontros do G20 financeiro, que trata principalmente de temas da agenda financeira mundial e inclui os dez principais países desenvolvidos e os dez principais emergentes.
Não deve ser confundido com o G20 que atua na OMC, sob coordenação do Brasil e da Índia. O Brasil assumirá a presidência do G20 financeiro em 2008 e terá, portanto, uma posição mais forte para influir sobre temas internacionais.
O Brasil reiterou também a sua posição em favor da ampliação do G7. Essa ampliação seria um reconhecimento da influência dos principais países emergentes, que deveriam ser incluídos como membros plenos, nos níveis político e econômico. Alguns integrantes do G7, notadamente a França, parecem inclinados a aceitar essa ampliação, que traria para a principal mesa de discussão o Brasil, a China, a Índia e a África do Sul. A Rússia já faz parte do grupo na parte política, mas é excluída da agenda econômica.
Na véspera da reunião anual, causaram impacto as críticas do presidente do Brasil ao Fundo e ao Banco Mundial. Durante a sua visita ao Congo, o presidente Lula afirmou que os países em desenvolvimento precisam criar mecanismos próprios de financiamento, como o Banco do Sul. "Não podemos ficar dependendo do FMI e do Banco Mundial, instituições que não dirigimos", disse.
A delegação brasileira chegou a Washington sob certa expectativa. E não decepcionou. O ministro da Fazenda criticou a atuação dos países desenvolvidos, que estão no epicentro da crise financeira recente, e ressaltou a cautela com que o Fundo apresenta recomendações quando os problemas surgem nas nações poderosas, um contraste notável com a rapidez com que se dispõe a ditar regras a países pobres em crise. A repercussão foi grande. "O Brasil deu o tom", era o comentário que se ouvia nos bastidores. Os documentos que expressam a posição brasileira, assim como o comunicado final da reunião anual, estão disponíveis no site do FMI. Posso indicar o caminho ou enviá-los diretamente aos leitores interessados.
"O que está em jogo hoje talvez seja a própria existência do FMI como principal instituição provedora de estabilidade financeira para o mundo", reconheceu o diretor-gerente eleito do Fundo, Dominique Strauss-Kahn. Declaração forte, mas não exagerada. O Fundo atravessa crise financeira e de legitimidade. A impossibilidade de adaptação à mudança do ambiente foi a causa da extinção dos dinossauros...
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
pnbjr@attglobal.net
Publicado na Folha de S. Paulo – 25/10/07 (clique aqui para acessar o artigo original, mas só para assinantes da Folha ou do UOL).
"O DINOSSAURO se moveu", declarou o ministro Mantega durante a reunião anual do FMI e do Banco Mundial, ocorrida há poucos dias. De fato, o Fundo é uma instituição pesada e bastante antiquada em muitos aspectos. Mostra dificuldades de adaptação à evolução do mundo, em especial ao crescente peso dos países emergentes.
Mas o dinossauro se moveu um pouco nessa reunião. O Brasil, em aliança com outros países, lutou para que a criatura começasse a vencer a inércia. Pela primeira vez, o comunicado final da reunião registrou o reconhecimento geral de que um aumento do poder de voto no FMI do conjunto dos países em desenvolvimento deverá ser um resultado da reforma em curso. Aceitou-se, também, que o PIB será a variável mais importante na nova fórmula de cálculo das quotas e que o PIB, medido em paridade de poder de compra, desempenhará um papel na reforma, critério que favorece os países em desenvolvimento.
O Brasil atuou em várias frentes. Coordenou, por exemplo, o encontro prévio do G4 (África do Sul, Brasil, China e Índia) em preparação à reunião do Fundo e aos próximos encontros do G20 financeiro, que trata principalmente de temas da agenda financeira mundial e inclui os dez principais países desenvolvidos e os dez principais emergentes.
Não deve ser confundido com o G20 que atua na OMC, sob coordenação do Brasil e da Índia. O Brasil assumirá a presidência do G20 financeiro em 2008 e terá, portanto, uma posição mais forte para influir sobre temas internacionais.
O Brasil reiterou também a sua posição em favor da ampliação do G7. Essa ampliação seria um reconhecimento da influência dos principais países emergentes, que deveriam ser incluídos como membros plenos, nos níveis político e econômico. Alguns integrantes do G7, notadamente a França, parecem inclinados a aceitar essa ampliação, que traria para a principal mesa de discussão o Brasil, a China, a Índia e a África do Sul. A Rússia já faz parte do grupo na parte política, mas é excluída da agenda econômica.
Na véspera da reunião anual, causaram impacto as críticas do presidente do Brasil ao Fundo e ao Banco Mundial. Durante a sua visita ao Congo, o presidente Lula afirmou que os países em desenvolvimento precisam criar mecanismos próprios de financiamento, como o Banco do Sul. "Não podemos ficar dependendo do FMI e do Banco Mundial, instituições que não dirigimos", disse.
A delegação brasileira chegou a Washington sob certa expectativa. E não decepcionou. O ministro da Fazenda criticou a atuação dos países desenvolvidos, que estão no epicentro da crise financeira recente, e ressaltou a cautela com que o Fundo apresenta recomendações quando os problemas surgem nas nações poderosas, um contraste notável com a rapidez com que se dispõe a ditar regras a países pobres em crise. A repercussão foi grande. "O Brasil deu o tom", era o comentário que se ouvia nos bastidores. Os documentos que expressam a posição brasileira, assim como o comunicado final da reunião anual, estão disponíveis no site do FMI. Posso indicar o caminho ou enviá-los diretamente aos leitores interessados.
"O que está em jogo hoje talvez seja a própria existência do FMI como principal instituição provedora de estabilidade financeira para o mundo", reconheceu o diretor-gerente eleito do Fundo, Dominique Strauss-Kahn. Declaração forte, mas não exagerada. O Fundo atravessa crise financeira e de legitimidade. A impossibilidade de adaptação à mudança do ambiente foi a causa da extinção dos dinossauros...
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
pnbjr@attglobal.net
Publicado na Folha de S. Paulo – 25/10/07 (clique aqui para acessar o artigo original, mas só para assinantes da Folha ou do UOL).
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