Na Folha de S.Paulo (assinantes clicar aqui) de hoje, 28/2/08, Chico de Oliveira dispara sua artilharia, como sempre bem fundamentada e com alvos certos.
Obama, Tocqueville e a ilusão americana
FRANCISCO DE OLIVEIRA
Obama, com seu terninho correto que faz par com o tailleur de Hillary Clinton, é tão parecido com sua rival quanto o PT com o PSDB
TOCQUEVILLE ESTÁ entre os mais reputados teóricos da democracia, e seu livro clássico sobre a democracia na América em nada se parece com os tratados enfadonhos e formais sobre a forma de governo inventada pelos gregos da época clássica. Trata-se de investigação sobre os fundamentos, eu diria, sociológicos, da democracia nos EUA; nosso Sérgio Buarque de Holanda fez, com o também clássico "Raízes do Brasil", a explicação de por que a forma democrática é quase inviável em Pindorama.
Mais de um século depois, o belicista Churchill cunhou outro paradoxo, plagiando Tocqueville: a democracia é o pior de todos os regimes, salvo todos os outros. O velho leão britânico somente aprenderia a não incentivar guerras coloniais -"remember" a Guerra dos Bôeres- depois que o nazismo ameaçou liquidar a velha Albion e submeter o mundo ocidental a uma nova idade das trevas.
Barack Obama, parece, será o indicado pelos democratas para a disputa da Casa Branca, desbancando a chata da Hillary, coisa que talvez se defina logo no próximo dia 4. Para os leitores de Tocqueville, talvez sua eleição à mansão sem estilo da avenida Pensilvânia pareça realizar os prognósticos do nobre francês. Mas aqui entra o famoso paradoxo de Tocqueville, segundo o qual a ampla democratização torna banal a participação dos cidadãos e desinteressante a democracia.
O forte absenteísmo dos próprios norte-americanos às suas eleições presidenciais confirmaria o pessimismo tocquevilleano. Em termos schmittianos, a democracia de massas é não-agônica, onde não se decide nada. Não falta ao paradoxo de Tocqueville, como é óbvio, um certo desdém aristocrático, que o autor francês disfarça todo o tempo.
Uma crítica de direita se alinharia apressadamente ao paradoxo, desqualificando imediatamente a eleição do primeiro negro à Presidência dos EUA. Uma crítica pela esquerda vê o problema de outro ângulo: o paradoxo de Tocqueville não decorre da banalização da democracia pelo predomínio das massas, mas é um produto da colonização da política pela economia. Em outras palavras, o capitalismo, em sua fase globalitária, torna inútil a política e irrelevante a participação dos cidadãos. Nos EUA, é certo que decisões como a invasão do Iraque foram até mesmo planejadas no Salão Oval, mas antes o celerado Bush filho teve que pedir permissão a Alan Greenspan, o ex-todo-poderoso presidente do Fed; aliás, esse senhor atravessou os dois mandatos de Clinton e entrou pelo mandato de Bush adentro, somente renunciando um ano e meio atrás, e os norte-americanos nunca votaram nele para coisa alguma. E o Senado norte-americano, que ratifica as indicações presidenciais, faz-lhe uma argüição que é tão contestadora quanto os programas de Silvio Santos. Isso é a colonização da política pela economia.
Entre nós, mesmo a própria democratização brasileira, de que o PT foi co-autor importante, é hoje irrelevante: em lugar da transformação prometida pelos longos anos da "invenção democrática", o PT e Lula transformaram-se em fiadores do capitalismo globalitário no Brasil. Vejam-se, como já se salientou aqui mesmo nesta Folha, os lucros do sistema bancário brasileiro e o tratamento do social: meros R$ 8 bilhões para o Bolsa Família, o ai-jesus de Lula e do lulo-petismo, e R$ 160 bilhões de juros da dívida pública interna. Ou em 2007, os R$ 20 bilhões do lucro dos quatro maiores bancos contra os R$ 21 bilhões de todo o Orçamento social de Lula (incluindo-se seguridade social, Bolsa Família et al).
Tomara que Obama desminta o paradoxo de Tocqueville; tomara que suspenda imediatamente o odioso embargo contra Cuba, aproveitando inclusive a oportunidade da retirada de Fidel da linha de frente do governo cubano; tomara que retire as tropas do Iraque, terminando de vez com esse desastre anunciado; tomara que retome a linha de um Jimmy Carter, não apoiando as ditaduras e o descarado intervencionismo gringo; tomara que inaugure uma linha próxima do New Deal rooseveltiano e detenha o empobrecimento das classes populares norteamericanas e a crescente desigualdade; tomara que um desastre como o Katrina não possa outra vez expor a olho nu a produção desapiedada da pobreza, escondida no charme da outrora francesa Nova Orleans. Tomara. Mas que é improvável, é. Ele é tão parecido com a Hillary, com seu terninho correto que faz par com o tailleur da ex-primeira-dama, quanto o PT com o PSDB. Tocqueville ri na tumba?
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FRANCISCO DE OLIVEIRA, 74, é professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Obama, Tocqueville e a ilusão americana
FRANCISCO DE OLIVEIRA
Obama, com seu terninho correto que faz par com o tailleur de Hillary Clinton, é tão parecido com sua rival quanto o PT com o PSDB
TOCQUEVILLE ESTÁ entre os mais reputados teóricos da democracia, e seu livro clássico sobre a democracia na América em nada se parece com os tratados enfadonhos e formais sobre a forma de governo inventada pelos gregos da época clássica. Trata-se de investigação sobre os fundamentos, eu diria, sociológicos, da democracia nos EUA; nosso Sérgio Buarque de Holanda fez, com o também clássico "Raízes do Brasil", a explicação de por que a forma democrática é quase inviável em Pindorama.
Mais de um século depois, o belicista Churchill cunhou outro paradoxo, plagiando Tocqueville: a democracia é o pior de todos os regimes, salvo todos os outros. O velho leão britânico somente aprenderia a não incentivar guerras coloniais -"remember" a Guerra dos Bôeres- depois que o nazismo ameaçou liquidar a velha Albion e submeter o mundo ocidental a uma nova idade das trevas.
Barack Obama, parece, será o indicado pelos democratas para a disputa da Casa Branca, desbancando a chata da Hillary, coisa que talvez se defina logo no próximo dia 4. Para os leitores de Tocqueville, talvez sua eleição à mansão sem estilo da avenida Pensilvânia pareça realizar os prognósticos do nobre francês. Mas aqui entra o famoso paradoxo de Tocqueville, segundo o qual a ampla democratização torna banal a participação dos cidadãos e desinteressante a democracia.
O forte absenteísmo dos próprios norte-americanos às suas eleições presidenciais confirmaria o pessimismo tocquevilleano. Em termos schmittianos, a democracia de massas é não-agônica, onde não se decide nada. Não falta ao paradoxo de Tocqueville, como é óbvio, um certo desdém aristocrático, que o autor francês disfarça todo o tempo.
Uma crítica de direita se alinharia apressadamente ao paradoxo, desqualificando imediatamente a eleição do primeiro negro à Presidência dos EUA. Uma crítica pela esquerda vê o problema de outro ângulo: o paradoxo de Tocqueville não decorre da banalização da democracia pelo predomínio das massas, mas é um produto da colonização da política pela economia. Em outras palavras, o capitalismo, em sua fase globalitária, torna inútil a política e irrelevante a participação dos cidadãos. Nos EUA, é certo que decisões como a invasão do Iraque foram até mesmo planejadas no Salão Oval, mas antes o celerado Bush filho teve que pedir permissão a Alan Greenspan, o ex-todo-poderoso presidente do Fed; aliás, esse senhor atravessou os dois mandatos de Clinton e entrou pelo mandato de Bush adentro, somente renunciando um ano e meio atrás, e os norte-americanos nunca votaram nele para coisa alguma. E o Senado norte-americano, que ratifica as indicações presidenciais, faz-lhe uma argüição que é tão contestadora quanto os programas de Silvio Santos. Isso é a colonização da política pela economia.
Entre nós, mesmo a própria democratização brasileira, de que o PT foi co-autor importante, é hoje irrelevante: em lugar da transformação prometida pelos longos anos da "invenção democrática", o PT e Lula transformaram-se em fiadores do capitalismo globalitário no Brasil. Vejam-se, como já se salientou aqui mesmo nesta Folha, os lucros do sistema bancário brasileiro e o tratamento do social: meros R$ 8 bilhões para o Bolsa Família, o ai-jesus de Lula e do lulo-petismo, e R$ 160 bilhões de juros da dívida pública interna. Ou em 2007, os R$ 20 bilhões do lucro dos quatro maiores bancos contra os R$ 21 bilhões de todo o Orçamento social de Lula (incluindo-se seguridade social, Bolsa Família et al).
Tomara que Obama desminta o paradoxo de Tocqueville; tomara que suspenda imediatamente o odioso embargo contra Cuba, aproveitando inclusive a oportunidade da retirada de Fidel da linha de frente do governo cubano; tomara que retire as tropas do Iraque, terminando de vez com esse desastre anunciado; tomara que retome a linha de um Jimmy Carter, não apoiando as ditaduras e o descarado intervencionismo gringo; tomara que inaugure uma linha próxima do New Deal rooseveltiano e detenha o empobrecimento das classes populares norteamericanas e a crescente desigualdade; tomara que um desastre como o Katrina não possa outra vez expor a olho nu a produção desapiedada da pobreza, escondida no charme da outrora francesa Nova Orleans. Tomara. Mas que é improvável, é. Ele é tão parecido com a Hillary, com seu terninho correto que faz par com o tailleur da ex-primeira-dama, quanto o PT com o PSDB. Tocqueville ri na tumba?
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FRANCISCO DE OLIVEIRA, 74, é professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
2 comentários:
Nao acho que o PT faça o governo dos sonhos dos petistas, mas daí a dizer que ele e o PSDB sao iguais é pura retórica da direita, que em sua tatica (gloriosamente abraçada e defendida pela grande midia)quer colar os feitos positivos do PT e destruir o que puder. Esta afirmaçao sobre o lucro dos bancos é tao fraca, que me admira que este blog a ressone.... Melhor que os bancos lucrem do que fazer ,aí sim, como o PSDB e doar bilhoes via PROER para "salvá-los"... O PT tem seus grandes pecados, mas sua politica social, feita a muito debate e sangue, no covil da camara /senado, é INFINITAMENTE superior ao PSDB.
Meus sinceros protestos quantoa este tipo de argumentaçao sofismática, burguesa e apenas e tao somente, uma ressonância do que o capital repete diariamente no PIG>
Caro Miguel,
discordo quando as críticas são preconceituosas ou baseadas nas calúnias midiáticas, mas não é o caso de Chico de Oliveira. Respeito seu direito de divergir e, mais, peço-lhe que me envie um texto para publicação questionando as afirmações do autor do texto que publiquei. Não endosso plenamente o pensamento dele, mas no caso "pagamento aos rentistas x investimentos sociais" concordo sim! Abraços e obrigado pela intervenção.
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