16.6.08

Entrevista com Aziz Ab'Saber na CartaCapital

Sem projeto e sem debate

Aos 83 anos, o geógrafo Aziz Ab’Saber, professor emérito da USP, continua a ser uma das cabeças mais lúcidas do País. E continua a se preocupar com as questões ambientais, agora com um único foco: alertar para a necessidade de se planejar mais, sobretudo em relação à Amazônia.

CartaCapital: Falta planejamento no caso da Amazônia?
Aziz Ab`Saber: Total. Qualquer coisa que diga respeito a um projeto é feita sem previsão de impacto, sem delimitação de subáreas. Na questão amazônica, cheguei a fazer um mapinha das 23 células espaciais e mandei para o Lula quando assumiu a presidência, com uma carta dizendo que deveria reunir em Brasília pessoas competentes, geógrafos, geólogos, sociólogos, indigenistas para estudar cada uma delas. Depois, se organizariam seis comissões com pós-graduandos e técnicos para ir até as células, comparando os problemas, que são muito variados. Mas alguém rasgou a carta, eles não querem a opinião de ninguém. Uma das minhas críticas ao governo Lula é a falta de democracia no debate das idéias.

CC: O Sr. diz que anda aflito com a questão da reserva indígena Raposa-Serra do Sol. Por quê?
AAS: Ali existem dois grupos: um que quer a descontinuidade de posse da reserva e outro que quer manter integralmente o território que foi demarcado. Mas o governador de Roraima quer simplesmente resolver o problema dos arrozeiros, que são só uma parte do problema. Em minha opinião, a primeira coisa a fazer seria um plano de Buffer Zone (zona tampão), porque os que estão além da linha demarcada oficialmente vão ter interesse em penetrar naquela área pelos mais variados motivos. Isto implica um planejamento correto, porque tem um grande trecho que fica na fronteira e a reserva é enorme. Na área onde estão os arrozeiros, eles devem continuar, e os recursos ganhos têm que ser destinados a favor dos grupos indígenas regionais, numa proporção mínima de 30% a 50% do valor da produção, sob o controle de um organismo independente. A presença do Estado, a favor dos índios e não do neocapitalismo, se faria a cada cinco quilômetros nessa faixa, com um centro cultural, um parque para crianças indígenas, hospital, escolas bilíngües, e assim por diante. Na parte mais norte, seriam instalados alguns alojamentos para cientistas.

CC: Como o Sr. vê a proposta da Academia Brasileira de Ciências de, em dez anos, transformar a Amazônia num pólo tecnológico e científico?
AAS: Esqueça essa gente do Rio de Janeiro que não conhece o espaço total da Amazônia. Para opinar sobre Roraima, estou falando com base nas viagens que fiz para lá, viagens sofridas em que fui aprendendo, fui vendo.

CC: O Sr. lamentou a saída de Marina Silva do ministério do Meio Ambiente?
AAS: Não, não lamentei. Mas achei que foi dramático do ponto de vista político. Sai a Marina e entra no Plano Amazônia Sustentável o Mangabeira Unger. Quando voltou ao Brasil, o Mangabeira queria ser recebido como um deus, porque veio de Harvard. E no Instituto de Estudos Avançados da USP ficou numa salinha onde ninguém o recebia. Quando saiu, xingava o instituto publicamente. Mais engraçado é o Lula tê-lo nomeado Secretário de Planejamento a Longo Prazo, quando o que nós precisamos desesperadamente é resolver os problemas regionais no presente momento, pensando no futuro.

CC: Hoje o maior problema da Amazônia é o agronegócio?
AAS: Não. O que é preciso é evitar que o agronegócio faça o que queira, com a floresta a seu favor, sempre. Um fazendeiro do Sul do Pará defendeu bem a posição dele, dizendo o seguinte: “A propriedade é minha e faço com ela o que quiser e quando quiser.” Isso na cara do estado brasileiro. Em Marabá, vi uma passeata de fazendeiros com mais de mil e quinhentas pessoas, com toda a cidade quieta, amedrontada. Depois vim a saber que era a maneira de dizer que eles mandam na Terra do Meio (PA). Não há presença do Estado ali.

CC: O governador Blairo Maggi é mesmo o vilão do meio ambiente no Brasil hoje?
AAS: Mas é claro. E ficou amigo do Lula por razões que a gente não sabe. As coisas que ele diz: “Tem que haver desmate para plantar”. Só que o burro não sabe que no século 16 também era assim e não foi feito um grande desmate. Lembro que a primeira vez que fui a Pernambuco, em 1972, desmatava-se apenas da meia encosta para baixo e ao longo de colinas. O lugar onde estava a cabeceira dos rios estava bem preservado. Maggi, não, o negócio dele é desmatar. Agora, na Amazônia, cada caso é um caso que tem que ser pensado e resolvido, sem fragmentação e sem criar mosaicos a favor do neocapitalismo.


Fonte: CartaCapital – 16/6/08.

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