7.2.09

A Veja erra até quando acerta

No ano de 2007 tive o prazer de participar da implantação de um curso de ensino médio na favela de Paraisópolis, juntamente com vários colegas, todos professores do Colégio Pueri Domus.
Não foi serviço voluntário, ele foi bem remunerado, mas nos entregamos de corpo e alma para que o objetivo da empresa que nos escolher fosse atingido: preparar alguns garotos e garotas da favela de Paraisópolis para o ingresso nas universidades públicas e qualificá-los para o mundo do trabalho.
Infelizmente, por motivos de ordem pessoal, tive de me afastar do projeto, não deixei lá ex-alunos, mas sim novos amigos.
Nesse curto período de permanência relembrei minha infância, na periferia de São Paulo, claro que num outro tempo.
Muitos dos meus amigos da 6ª série do fundamental cursada em 1974, no bairro do Jardim Ângela, estão mortos. Alguns pelas mãos de bandidos, outros pelas mãos da polícia.
Poucos sobreviveram e “venceram”. Entendido o “vencer” como ter uma profissão, constituir família e permanecer vivo.
Hoje a situação na periferia é bem pior e, em 1974, o índice de favelamento na capital era bem menor.
Nesta semana que agora termina houve uma explosão de violência em Paraisópolis.
As pessoas com as quais convivo, a classe média branca, formaram uma imagem a partir dos instantâneos que a grande mídia mostrou.
Paraisópolis passou a ser no imaginário destas pessoas um lugar de bandidos e vendedores de drogas.
A esse respeito leiam abaixo o primor da apresentação da Veja São Paulo, esta obra-prima do jornalismo de esgoto como diz Luis Nassif, da reportagem sobre os acontecimentos:
“Uma cidade chamada Paraisópolis
Incrustada no Morumbi, a segunda maior favela da cidade tem 80 000 moradores, uma loja das Casas Bahia que fatura 1 milhão de reais por mês, assistência de 54 ONGs e uma rotina de venda de drogas. Na semana passada, desordens, vandalismos e cenas de violência chocaram a vizinhança e os paulistanos que acompanharam os episódios pela TV”
Quer dizer que as CB faturam um R$ 1 milhão, vendendo o quê e para quem? A rotina da favela é de venda de drogas? Quem são os compradores? Os próprios moradores ou os vizinhos abastados?
Quer dizer então que a vizinhança ficou chocada? Mas não é esta vizinhança que usa a mão-de-obra barata e abundante da favela? Os paulistanos não se chocam com o que acontece no dia-a-dia simplesmente por que não conhecem de perto aquela realidade.
O “ladeirão” – epicentro das cenas de violência da segunda-feira – é apenas a ligação da av. Giovane Gronchi com a Morumbi e por lá, nós paulistanos de classe média, passamos com os vidros dos automóveis fechados.
Estou pensando se reproduzo a matéria toda e comento parágrafo a parágrafo ou se essa amostra aí de cima basta.
Os repórteres Filipe Vilicic, Giuliana Bergamo, Maria Paola de Salvo e Sara Duarte fizeram uma longa matéria, muito bem ilustrada com muitas fotos, inclusive das cenas de guerra.
No desenvolvimento do texto as entrevistas desmentem a chamada da capa e a abertura da matéria.
Serão esses autores da matéria esquizofrênicos?
Para a classe média típica paulistana vale o que esta na capa e na chamada da matéria. Quem viu isso tem uma idéia. Quem lê a reportagem com atenção se surpreende com a quantidade de dados positivos da favela e sem muito esforço tem uma idéia oposta à primeira.
Claro que estes dados não merecem capa ou chamada especial. Só aquilo que faz aumentar o preconceito é que vale.
Caso desejem e tenham paciência a íntegra da matéria está aqui.

Um comentário:

Ralf R só-a-consciência-no-ato-salva! disse...

Prezado Toni, PARABÉNS! Quem me deu o link do seu blog foi uma ex-aluna sua, Kátia Portes, que sempre se refere a vc como "daqueles professores que realmente marcam"...

Quero convidar a vistar o que eu também aindei escrevendo sobre Paraisópolis e Gaza, no meu blog

http://pluralf.blogspot.com/2009/02/paraisopolis-gaza-e-ideologia-da.html

(Além disso tem o poema-depoimento escrito por uma amiga-professora lá, no meio do calor da coisa:
http://pluralf.blogspot.com/2009/02/fw-paraisopolis-testemunho-de-uma_04.html )

PARABÉNS MAS UMA VEZ, e estamos aqui!!