21.10.07

Luciano Huck e o seu rolex, Férrez e os "correria"

Já que baixou a poeira, todas as capas foram dadas, resolvi falar do episódio.
Luciano Huck publicou um texto na Folha de S.Paulo lastimando o assalto sofrido.
Leia o texto clicando aqui.
Começa o artigo num tom ficcional, anunciando a própria morte, como reproduzido a seguir:

Luciano Huck foi assassinado. Manchete do "Jornal Nacional" de ontem. E eu, algumas páginas à frente neste diário, provavelmente no caderno policial. E, quem sabe, uma homenagem póstuma no caderno de cultura. Não veria meu segundo filho. Deixaria órfã uma inocente criança. Uma jovem viúva. Uma família destroçada. Uma multidão bastante triste. Um governador envergonhado. Um presidente em silêncio.
Por quê? Por causa de um relógio.


No dia seguinte o escritor Férrez, publicou outro texto, como que respondendo às preocupações do apresentador de TV. O texto do Férrez pode ser lido aqui.
O artigo do jovem escritor, morador do Capão Redondo, começa assim:

ELE ME olha, cumprimenta rápido e vai pra padaria. Acordou cedo, tratou de acordar o amigo que vai ser seu garupa e foi tomar café. A mãe já está na padaria também, pedindo dinheiro pra alguém pra tomar mais uma dose de cachaça. Ele finge não vê-la, toma seu café de um gole só e sai pra missão, que é como todos chamam fazer um assalto. Se voltar com algo, seu filho, seus irmãos, sua mãe, sua tia, seu padrasto, todos vão gastar o dinheiro com ele, sem exigir de onde veio, sem nota fiscal, sem gerar impostos. Quando o filho chora de fome, moral não vai ajudar. A selva de pedra criou suas leis, vidro escuro pra não ver dentro do carro, cada qual com sua vida, cada qual com seus problemas, sem tempo pra sentimentalismo. O menino no farol não consegue pedir dinheiro, o vidro escuro não deixa mostrar nada.

Obviamente que o primeiro texto começa num tom ficcional para depois despejar-se em lamúrias pela perda do rolex. Sorte do Luciano Huck que pode choramingar na Folha de S.Paulo, em espaço tão nobre. Se todos os moradores de São Paulo que são assaltados tivessem a mesma oportunidade, faltariam árvores para tanto papel. E olha que as reclamações não seriam de rolex roubados, mas de vales-transporte, vales-refeição, botijão de gás, tênis ...
No texto do Férrez a ficção é começo, meio e fim. Com a privilegiada visão de quem conhece a periferia por ter nascido, crescido e sempre morado no Capão Redondo, ele não doura a pílula, não é bonzinho e nem caridoso.
Férrez fala daquilo que conhece, não por visitar esporadicamente, nem por dedicar uma pequena porcentagem de sua fortuna pessoal (para posterior abatimento no imposto de renda) para os desafortunados.
O rebotalho do jornalismo transformou o texto dele, uma obra de ficção, em defesa do criminoso e da criminalidade. Um intelectual chegou a ver no texto pretensões de distribuição de renda e justiça social e atacou o jovem escritor sem dó nem piedade.
Onde será que essa turma aprendeu a ler?
Será mera ignorância ou mais um sinal de preconceito?
Afinal deve ser duro ver um “favelado” enfrentando um representante da nossa mais refinada elite nas páginas dos jornais, usando o cérebro e não um 38.
Férrez tem um texto lúcido, lúdico e um trabalho maravilhoso.
Quem quiser pode conferir um pouco desse trabalho clicando aqui.

2 comentários:

Anônimo disse...

ler todo o blog, muito bom

Anônimo disse...

Obrigado, estava procurando comentários pessoais sobre as cartas e o seu foi muito bom.