8.11.06

Esquerda e direita

Artigo de ARIANO SUASSUNA, escritor paraibano, autor de "O Auto da Compadecida"

Publicado na Folha de São Paulo de 14 de setembro de 1999

Não concordo com a afirmação, hoje muito comum, de que não mais existem esquerda e direita. Acho até que quem diz isso normalmente é de direita.
Talvez eu pense assim porque mantenho, ainda hoje, uma visão religiosa do mundo e do homem, visão que, muito moço, alguns mestres me ajudaram a encontrar. Entre eles, talvez os mais importantes tenham sido Dostoiévski e aquela grande mulher que foi santa Teresa de Ávila.
Como conseqüência, também minha visão política tem substrato religioso. Olhando para o futuro, acredito que enquanto houver um desvalido, enquanto perdurar a injustiça com os infortunados de qualquer natureza, teremos que pensar e repensar a história em termos de esquerda e direita.
Temos também que olhar para trás e constatar que Herodes e Pilatos eram de direita, enquanto o Cristo e são João Batista eram de esquerda. Judas inicialmente era da esquerda. Traiu e passou para o outro lado: o de Barrabás, aquele criminoso que, com apoio da direita e do povo por ela enganado, na primeira grande "assembléia geral" da história moderna, ganhou contra o Cristo uma eleição decisiva.
De esquerda eram também os apóstolos que estabeleceram a primeira comunidade cristã, em bases muito parecidas com as do pré-socialismo organizado em Canudos por Antônio Conselheiro. Para demonstrar isso, basta comparar o texto de são Lucas, nos "Atos dos Apóstolos", com o de Euclydes da Cunha em "Os Sertões". Escreve o primeiro: "Ninguém considerava exclusivamente seu o que possuía, mas tudo entre eles era comum. Não havia entre eles necessitado algum. Os que possuíam terras e casas, vendiam-nas, traziam os valores das vendas e os depunham aos pés dos apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um, segundo a sua necessidade". Afirma o segundo, sobre o pré-socialismo dos seguidores de Antônio Conselheiro: "A propriedade tornou-se-lhes uma forma exagerada do coletivismo tribal dos beduínos: apropriação pessoal apenas de objetos móveis e das casas, comunidade absoluta da terra, das pastagens, dos rebanhos e dos escassos produtos das culturas, cujos donos recebiam exígua quota parte, revertendo o resto para a companhia" (isto é, para a comunidade).
Concluo recordando que, no Brasil atual, outra maneira fácil de manter clara a distinção é a seguinte: quem é de esquerda, luta para manter a soberania nacional e é socialista; quem é de direita, é entreguista e capitalista. Quem, na sua visão do social, coloca a ênfase na justiça, é de esquerda. Quem a coloca na eficácia e no lucro, é de direita.

3 comentários:

Anônimo disse...

Toni, sou um ex aluno seu do Saad em Taubaté e atualmente faço cursinho no Anglo.
Tenho uma dúvida, pois li uma vez que ser de esquerda não está relacionado ao pensamento, mais sim à contradição do governo da época. Seria algo do tipo que quem é contrario ao governo da época é de esquerda, e a favor, de direita.
Isso seria algo que reforça, principalmente no ultimo parágrafo, o seu texto, ou seria uma visão diferente?

Anônimo disse...

Não é à toa que o coração bate do lado esquerdo do peito. Ótimo resgate do texto do Suassuna, não o tinha lido. Voltando ao assunto da política aqui no RS, tão misteriosa, inclusive para nosotros, o deputado Flávio Koutzii publicou dia 9/11 uma análise interessante no seu site, mais ou menos naquela linha que manifestei, dizendo que houve derrota eleitoral mas não política para o PT aqui no estado. Havendo tempo e interesse, o link é http://www.flaviokoutzii.com.br/artigos/2006-11-09_vitoria_politica_no_RS.htm
Abraço e bom findi!

Anônimo disse...

querido amigo ... não entendo muito de politica, mais li quase tudo que vc escreveu e lembrei-me da nossos 17 anos... como eramos felizes e não sabiamos...como vc é culto meu Deus! E como preocupa com a justiça ! Eu sabia que a cidade deVarginha era pequena para vc...Vou rezar por vc e sua familia...será que se lembra de mim! Na época eu pesava 38 Kg e vc 88Kg...um grande abraço ...