por Hamilton Octavio de Souza
O golpe militar de 1964 impôs não apenas 21 anos de ditadura, mas também o ambiente político e cultural que possibilitou – no período da “redemocratização” – ao neoliberalismo aportar com tudo no território brasileiro, estimulado pelas elites empresariais, saudado pelas classes médias e engolido pelos trabalhadores sem maiores resistências.
Em plena Guerra Fria, com o imperialismo norte-americano jogando pesado contra os blocos socialista e terceiro-mundista, o golpe interrompeu o processo de reformas de base articulado por lideranças trabalhistas como o governo João Goulart. As reformas faziam sentido no bojo do desenvolvimento industrial das décadas de 40 e 50, e representavam a justa cobrança dos trabalhadores no acerto de contas com o capital, especialmente para virar a página do atraso oligárquico.
Com o golpe, a experiência educacional transformadora foi duramente reprimida e todo o sistema passou a ser controlado de cima para baixo, com rígida vigilância. Tanto é que inúmeros professores e projetos educacionais foram banidos. Ao mesmo tempo acelerou-se o processo de privatização do ensino superior. Foram criadas as “fundações sem fins lucrativos” que enriqueceram tanta gente. As fábricas de diplomas ganharam status de faculdades e universidades. O sistema criado na ditadura permanece intacto, não apenas vigora até hoje, como é um dos pilares de formação e sustentação intelectual do neoliberalismo.
O projeto de reforma agrária de Celso Furtado, que o governo João Goulart ensaiava colocar em prática, previa a desapropriação de todas as terras ao longo das rodovias e ferrovias, de forma que se pudessem assentar rapidamente todas as famílias que quisessem trabalhar na terra. O golpe de 1964 abortou a reforma agrária e até hoje o Brasil não conseguiu resolver a secular questão agrária e nem criar um modelo para o desenvolvimento da agricultura familiar, a produção de alimentos e a proteção ambiental. Ao contrário, o Brasil agora convive com o latifúndio improdutivo e com o latifúndio do agronegócio – a concentração da terra voltada para a exportação (soja, eucalipto, cana e pecuária), altamente destruidora das reservas florestais, dos recursos hídricos e do meio ambiente.
Nem bem o Brasil saiu da ditadura militar, em 1985, e as elites brasileiras já estavam salivando para privatizar o patrimônio público acumulado nos anos de centralização e de estatização, quando os gestores do regime endividaram o País e o povo brasileiro com inúmeros projetos faraônicos. A ditadura acelerou a destruição da Amazônia com a rodovia Transamazônica e os projetos fracassados de colonização; a ditadura acelerou a destruição dos recursos hídricos com os projetos de grandes hidrelétricas; a ditadura acelerou a destruição cultural do Brasil com os seus projetos autoritários de educação e comunicações. O apoio da ditadura à TV Globo e às demais redes de televisão foi decisivo para “formar” gerações alienadas com a cabeça no consumo e no circo. O sistema de controle da informação e da cultura montado pela ditadura continua intacto até hoje – sob o domínio de alguns grupos empresariais e coronéis eletrônicos espalhados no território nacional.
Nem bem saiu da ditadura e ingressou no neoliberalismo, as elites brasileiras avançaram sobre os direitos dos trabalhadores, retiraram conquistas de décadas, investiram pesado nas “flexibilizações” e “desregulamentações” da legislação trabalhista e social, passaram a arrochar sistematicamente os salários, colocaram milhões na informalidade e multiplicaram várias vezes o exército de reserva – também chamado de desemprego estrutural. Isso só foi possível porque a sociedade brasileira moldada pelos 21 anos de ditadura apagou da memória e da história oficial as lutas feitas e as reformas sonhadas antes de 1964. Depois do último embate, nas eleições de 1989, quando as forças democráticas e populares foram derrotadas – em “eleições livres” – pelo neo-coronelismo apoiado pela velha imprensa empresarial e pelo aparato televisivo construído pelo regime militar, a resistência democrática e popular entrou em declínio, importantes setores da esquerda se renderam ou foram cooptados pelo modelo político-econômico, as propostas transformadoras e socializantes desapareceram dos sindicatos e das universidades. É nesse quadro que o movimento social ainda tenta se reerguer – com muita dificuldade.
Basta lembrar que toda a imprensa brasileira – com exceção do jornal Ultima Hora – apoiou o golpe militar de 1964, na defesa dos interesses dos fazendeiros, do capital industrial nacional e do capital estrangeiro. Da mesma forma, hoje, a grande maioria da imprensa brasileira defende ardentemente os postulados do neoliberalismo, apóia a entrada desenfreada do capital estrangeiro, o sistema financeiro concentrado em grandes bancos e a concentração da terra para o agronegócio. Os motivos de fundo para o golpe de 1964 constituem ainda hoje o programa em vigor das elites dominantes. Isso significa que o golpe de 1964 pode ser considerado completamente vitorioso, pois interrompeu de forma duradoura – há 43 anos – o que estava sendo ensaiado de transformações em favor das classes trabalhadoras. Desde então os trabalhadores não vivenciaram mais nenhum processo de reformas que pudesse mudar as estruturas do País. O Brasil é hoje mais capitalista do que já foi em toda a sua história. Com todos os problemas que esse sistema produz.
Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUC-SP.
Publicado em Caros Amigos (http://carosamigos.terra.com.br/nova/ed127/so_no_site_geral_hamilton.asp)
O golpe militar de 1964 impôs não apenas 21 anos de ditadura, mas também o ambiente político e cultural que possibilitou – no período da “redemocratização” – ao neoliberalismo aportar com tudo no território brasileiro, estimulado pelas elites empresariais, saudado pelas classes médias e engolido pelos trabalhadores sem maiores resistências.
Em plena Guerra Fria, com o imperialismo norte-americano jogando pesado contra os blocos socialista e terceiro-mundista, o golpe interrompeu o processo de reformas de base articulado por lideranças trabalhistas como o governo João Goulart. As reformas faziam sentido no bojo do desenvolvimento industrial das décadas de 40 e 50, e representavam a justa cobrança dos trabalhadores no acerto de contas com o capital, especialmente para virar a página do atraso oligárquico.
Com o golpe, a experiência educacional transformadora foi duramente reprimida e todo o sistema passou a ser controlado de cima para baixo, com rígida vigilância. Tanto é que inúmeros professores e projetos educacionais foram banidos. Ao mesmo tempo acelerou-se o processo de privatização do ensino superior. Foram criadas as “fundações sem fins lucrativos” que enriqueceram tanta gente. As fábricas de diplomas ganharam status de faculdades e universidades. O sistema criado na ditadura permanece intacto, não apenas vigora até hoje, como é um dos pilares de formação e sustentação intelectual do neoliberalismo.
O projeto de reforma agrária de Celso Furtado, que o governo João Goulart ensaiava colocar em prática, previa a desapropriação de todas as terras ao longo das rodovias e ferrovias, de forma que se pudessem assentar rapidamente todas as famílias que quisessem trabalhar na terra. O golpe de 1964 abortou a reforma agrária e até hoje o Brasil não conseguiu resolver a secular questão agrária e nem criar um modelo para o desenvolvimento da agricultura familiar, a produção de alimentos e a proteção ambiental. Ao contrário, o Brasil agora convive com o latifúndio improdutivo e com o latifúndio do agronegócio – a concentração da terra voltada para a exportação (soja, eucalipto, cana e pecuária), altamente destruidora das reservas florestais, dos recursos hídricos e do meio ambiente.
Nem bem o Brasil saiu da ditadura militar, em 1985, e as elites brasileiras já estavam salivando para privatizar o patrimônio público acumulado nos anos de centralização e de estatização, quando os gestores do regime endividaram o País e o povo brasileiro com inúmeros projetos faraônicos. A ditadura acelerou a destruição da Amazônia com a rodovia Transamazônica e os projetos fracassados de colonização; a ditadura acelerou a destruição dos recursos hídricos com os projetos de grandes hidrelétricas; a ditadura acelerou a destruição cultural do Brasil com os seus projetos autoritários de educação e comunicações. O apoio da ditadura à TV Globo e às demais redes de televisão foi decisivo para “formar” gerações alienadas com a cabeça no consumo e no circo. O sistema de controle da informação e da cultura montado pela ditadura continua intacto até hoje – sob o domínio de alguns grupos empresariais e coronéis eletrônicos espalhados no território nacional.
Nem bem saiu da ditadura e ingressou no neoliberalismo, as elites brasileiras avançaram sobre os direitos dos trabalhadores, retiraram conquistas de décadas, investiram pesado nas “flexibilizações” e “desregulamentações” da legislação trabalhista e social, passaram a arrochar sistematicamente os salários, colocaram milhões na informalidade e multiplicaram várias vezes o exército de reserva – também chamado de desemprego estrutural. Isso só foi possível porque a sociedade brasileira moldada pelos 21 anos de ditadura apagou da memória e da história oficial as lutas feitas e as reformas sonhadas antes de 1964. Depois do último embate, nas eleições de 1989, quando as forças democráticas e populares foram derrotadas – em “eleições livres” – pelo neo-coronelismo apoiado pela velha imprensa empresarial e pelo aparato televisivo construído pelo regime militar, a resistência democrática e popular entrou em declínio, importantes setores da esquerda se renderam ou foram cooptados pelo modelo político-econômico, as propostas transformadoras e socializantes desapareceram dos sindicatos e das universidades. É nesse quadro que o movimento social ainda tenta se reerguer – com muita dificuldade.
Basta lembrar que toda a imprensa brasileira – com exceção do jornal Ultima Hora – apoiou o golpe militar de 1964, na defesa dos interesses dos fazendeiros, do capital industrial nacional e do capital estrangeiro. Da mesma forma, hoje, a grande maioria da imprensa brasileira defende ardentemente os postulados do neoliberalismo, apóia a entrada desenfreada do capital estrangeiro, o sistema financeiro concentrado em grandes bancos e a concentração da terra para o agronegócio. Os motivos de fundo para o golpe de 1964 constituem ainda hoje o programa em vigor das elites dominantes. Isso significa que o golpe de 1964 pode ser considerado completamente vitorioso, pois interrompeu de forma duradoura – há 43 anos – o que estava sendo ensaiado de transformações em favor das classes trabalhadoras. Desde então os trabalhadores não vivenciaram mais nenhum processo de reformas que pudesse mudar as estruturas do País. O Brasil é hoje mais capitalista do que já foi em toda a sua história. Com todos os problemas que esse sistema produz.
Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUC-SP.
Publicado em Caros Amigos (http://carosamigos.terra.com.br/nova/ed127/so_no_site_geral_hamilton.asp)
2 comentários:
Esse artigo não tem como ser levado a sério, por diversos pontos, mas vou me ater a apenas um: a estória do "neoliberalismo". Esta palavra é um verdadeiro chavão, serve para designar algo que ninguêm sabe ao certo o que é enm onde ou como surgiu.
Quem é o principal pensador desse conceito? Em qual obra ela surgiu? Essas duas perguntas eu te desafio a responder, mas com a certeza de que jamais poderá fazer isso, e te digo porque: o neoliberalismo "non eqxiste", nem como conceito, e nem foi implementado no rasil.
O autor do artigo fala dque o Brasil mergulhou no neoliberalismo, mas isso é uma mentira. Uma análise dos indices de liberdade econômica mostram que, hoje, mesmo depois da suposta "onda neoliberal", ainda estamos na posição numero 70 - e ficamos 2 pontos mais restritivos econômicamente de 2006 para 2007!!!
Ou seja, que raios de "neoliberalismo" é esse????? Onde ele esta???? Os fatos são claros, o brasil não é um pais econômicamente livre. nunca passou por nenhuma grande reforma estrutural liberalizante, as privatizações não foram feitas por ideal mas sim por pragmatismo, pois precisavam de dinheiro para sustentar o inflado Estado brasileiro - que continuou a crescer e crescer, aumentando impostos, coisa completamente contraria e antagônica a qualquer tipo de reforma verdadeiramente liberalizante!
Gostaria que me respondesse esses questionamentos que fiz, sei que não é o autor desse artigo, mas como me parece que concorda com ele, gostaria de saber que respostas terá as minhas perguntas.
Obrigado.
Gente, não tenho hábito de aceitar comentários de "fakes", mas esse aí eu coloquei só para que tenham uma idéia da "qualidade" de pretensos debatedores. Acabo de recusar um outro comentário assinado pelo "Capitão Nascimento".
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