PATRUS ANANIAS
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Foi Josué de Castro quem primeiro disse o que milhares de brasileiros sabiam pelo árduo sacrifício diário: no Brasil, há fome
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HÁ PESSOAS que se destacam por sua história de envolvimento com seu povo, por um profundo amor que nutre por sua gente e por fazer da busca de soluções para os problemas coletivos dessa gente a sua razão de vida. Essas pessoas se vão, mas permanecem presentes, com seu legado, enraizadas na cultura do país, verdadeiras representantes de uma nacionalidade que se projeta para o mundo. Josué de Castro é uma dessas pessoas. Certa feita, outro notável brasileiro, o professor Milton Santos, ao se referir a ele, disse que um dos traços fundamentais de Josué era a clarividência. Uma clarividência, alertava, que se adquire não só pela intuição, "mas sobretudo pelo estudo". Destacava sua capacidade de ver "a parte do presente que se projeta no futuro". Josué de Castro era médico. Foi embaixador do Brasil na FAO até que a ditadura cassou seus direitos políticos. Mas foi principalmente um grande estudioso e conhecedor da geografia humana brasileira. Podemos dizer que foi ele quem primeiro disse o que milhares de brasileiros sabiam pelo árduo sacrifício diário: no Brasil, há fome. Para os que já sabiam, a denúncia de Josué significava que, pela primeira vez, o problema deles entrava para a pauta do Brasil que não passa fome, porque, até então, o tema era tabu, não só aqui, mas no mundo. E isso também Josué denunciou. Em trabalho publicado no final dos anos 1960 na revista "Civillitá delle Machine", Josué de Castro alertava que a fome não era um problema gerado pela explosão demográfica do pós-guerra e que existia bem antes disso. A carência alimentar, segundo pontuou, está ligada à concentração de bens, às dificuldades de acesso aos alimentos. Na sua observação perspicaz, o mundo só se voltava para o tema da fome a partir do pós-guerra por uma razão: "Não se falava do assunto que era vergonhoso: a fome era tabu". A fome, tratada por ele como "a expressão biológica de males sociológicos", havia sido estudada e denunciada por ele no seu livro "Geografia da Fome", publicado em 1946, marco dos estudos da área e até hoje uma referência aos estudiosos do tema, ficando como testemunho da clarividência percebida por Milton Santos. No ano em que celebramos o centenário de nascimento desse brasileiro Josué, lançamos, no Ministério do Desenvolvimento Social, o Prêmio Boas Práticas Josué de Castro, para incentivar políticas e iniciativas na área de segurança alimentar e nutricional de governos municipais e estaduais que se destacam no combate à fome e à desnutrição. Não por acaso, o prêmio é lançado durante a plenária do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar) no Recife, terra natal do nordestino Josué de Castro. A obra de Josué tem importância científica e social e provocou no país um movimento importante a partir da sociedade civil e, hoje, pelo compromisso assumido pelo presidente Lula com esse histórico de luta, o direito à alimentação é objeto de política pública. Foi ele quem pautou o assunto na nossa agenda nacional e abriu caminhos para que a alimentação entrasse no campo dos direitos, como estamos fazendo atualmente. A decisão do governo de articular políticas de várias áreas em torno da estratégia, intitulada Fome Zero, de facilitar e garantir o acesso à alimentação, sobretudo para a população mais pobre, integra o esforço de implementar uma política nacional de segurança alimentar e nutricional -um trabalho com desdobramentos e aperfeiçoamentos constantes. Em 2006, o presidente sancionou a Losan (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional). Sensível ao tema, o Congresso foi ágil na apreciação e aprovação do projeto, elaborado pelo Executivo com valiosas contribuições do Consea. A lei é um avanço importante, pois prevê a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, reforçando a organização das políticas sociais em sistemas, com interlocução entre si, fortalecendo as políticas públicas. Nosso desejo é que as políticas que estão sendo criadas a partir dessa orientação governamental ou em torno de uma política nacional de segurança alimentar e nutricional ampliem as propostas de mudança em nossa sociedade preconizadas não só por Josué, mas por tantos brasileiros, como Herbert de Souza -Betinho-, dom Hélder Câmara, entre outros, anônimos ou não. Os cientistas costumam afirmar: "Se vi mais longe, foi porque estava sobre ombros de gigantes". Josué de Castro foi um desses gigantes que ora nos permitem enxergar mais alto e mais longe. E isso nos confere também o desafio e a responsabilidade de transformar em realidade o sonho de um país sem fome e mais justo. Estamos conseguindo.
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PATRUS ANANIAS, 56, advogado, é o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Foi prefeito de Belo Horizonte (1993-1996).
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Foi Josué de Castro quem primeiro disse o que milhares de brasileiros sabiam pelo árduo sacrifício diário: no Brasil, há fome
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HÁ PESSOAS que se destacam por sua história de envolvimento com seu povo, por um profundo amor que nutre por sua gente e por fazer da busca de soluções para os problemas coletivos dessa gente a sua razão de vida. Essas pessoas se vão, mas permanecem presentes, com seu legado, enraizadas na cultura do país, verdadeiras representantes de uma nacionalidade que se projeta para o mundo. Josué de Castro é uma dessas pessoas. Certa feita, outro notável brasileiro, o professor Milton Santos, ao se referir a ele, disse que um dos traços fundamentais de Josué era a clarividência. Uma clarividência, alertava, que se adquire não só pela intuição, "mas sobretudo pelo estudo". Destacava sua capacidade de ver "a parte do presente que se projeta no futuro". Josué de Castro era médico. Foi embaixador do Brasil na FAO até que a ditadura cassou seus direitos políticos. Mas foi principalmente um grande estudioso e conhecedor da geografia humana brasileira. Podemos dizer que foi ele quem primeiro disse o que milhares de brasileiros sabiam pelo árduo sacrifício diário: no Brasil, há fome. Para os que já sabiam, a denúncia de Josué significava que, pela primeira vez, o problema deles entrava para a pauta do Brasil que não passa fome, porque, até então, o tema era tabu, não só aqui, mas no mundo. E isso também Josué denunciou. Em trabalho publicado no final dos anos 1960 na revista "Civillitá delle Machine", Josué de Castro alertava que a fome não era um problema gerado pela explosão demográfica do pós-guerra e que existia bem antes disso. A carência alimentar, segundo pontuou, está ligada à concentração de bens, às dificuldades de acesso aos alimentos. Na sua observação perspicaz, o mundo só se voltava para o tema da fome a partir do pós-guerra por uma razão: "Não se falava do assunto que era vergonhoso: a fome era tabu". A fome, tratada por ele como "a expressão biológica de males sociológicos", havia sido estudada e denunciada por ele no seu livro "Geografia da Fome", publicado em 1946, marco dos estudos da área e até hoje uma referência aos estudiosos do tema, ficando como testemunho da clarividência percebida por Milton Santos. No ano em que celebramos o centenário de nascimento desse brasileiro Josué, lançamos, no Ministério do Desenvolvimento Social, o Prêmio Boas Práticas Josué de Castro, para incentivar políticas e iniciativas na área de segurança alimentar e nutricional de governos municipais e estaduais que se destacam no combate à fome e à desnutrição. Não por acaso, o prêmio é lançado durante a plenária do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar) no Recife, terra natal do nordestino Josué de Castro. A obra de Josué tem importância científica e social e provocou no país um movimento importante a partir da sociedade civil e, hoje, pelo compromisso assumido pelo presidente Lula com esse histórico de luta, o direito à alimentação é objeto de política pública. Foi ele quem pautou o assunto na nossa agenda nacional e abriu caminhos para que a alimentação entrasse no campo dos direitos, como estamos fazendo atualmente. A decisão do governo de articular políticas de várias áreas em torno da estratégia, intitulada Fome Zero, de facilitar e garantir o acesso à alimentação, sobretudo para a população mais pobre, integra o esforço de implementar uma política nacional de segurança alimentar e nutricional -um trabalho com desdobramentos e aperfeiçoamentos constantes. Em 2006, o presidente sancionou a Losan (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional). Sensível ao tema, o Congresso foi ágil na apreciação e aprovação do projeto, elaborado pelo Executivo com valiosas contribuições do Consea. A lei é um avanço importante, pois prevê a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, reforçando a organização das políticas sociais em sistemas, com interlocução entre si, fortalecendo as políticas públicas. Nosso desejo é que as políticas que estão sendo criadas a partir dessa orientação governamental ou em torno de uma política nacional de segurança alimentar e nutricional ampliem as propostas de mudança em nossa sociedade preconizadas não só por Josué, mas por tantos brasileiros, como Herbert de Souza -Betinho-, dom Hélder Câmara, entre outros, anônimos ou não. Os cientistas costumam afirmar: "Se vi mais longe, foi porque estava sobre ombros de gigantes". Josué de Castro foi um desses gigantes que ora nos permitem enxergar mais alto e mais longe. E isso nos confere também o desafio e a responsabilidade de transformar em realidade o sonho de um país sem fome e mais justo. Estamos conseguindo.
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PATRUS ANANIAS, 56, advogado, é o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Foi prefeito de Belo Horizonte (1993-1996).
Fonte: Folha de São Paulo – 05/09/08.
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