12.9.08

Sobre outro 11 de setembro

Este texto não tem a intenção de tripudiar sobre a dor de ninguém, muito menos dos familiares daqueles que morreram vítimas dos atentados terroristas contra as Torres Gêmeas em Nova Iorque, no dia 11/9/2001.
Mas não quero escrever sobre isso. A grande mídia dá conta com sobra, de forma acrítica e apelando para o emocionalismo barato.
Outro 11 de Setembro dói muito na minha consciência latino-americana. É aquele que ceifou a experiência do governo da Unidade Popular, liderada por Salvador Allende, no Chile em 1973.
Governo legitimamente eleito, dentro do jogo democrático, mas apeado à força, por uma associação de bandidos fardados com diplomatas bandidos.
Esse 11/09 não entrou no calendário de dor mundial. Os milhares de desaparecidos e mortos pela ditadura de Pinochet não são lembrados como heróis da “democracia”.
Os EUA completavam assim um longo circuito de golpes militares, implantando ditaduras em quase todos os países da sofrida América Latina, contra a vontade popular, apoiados por intromissões políticas e uma invasão cultural sem precedentes na história humana.
Canalhas! Democratas ou Republicanos! Sem diferença entre eles, pelo menos para nós, que ficamos ao sul da linha do Equador.
Abaixo o último discurso de Salvador Allende, reproduzido no site da Agência Carta Maior:

Bombardeio ao Palácio de La Moneda
"Seguramente, esta será a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A Força Aérea bombardeou as antenas da Rádio Magallanes. Minhas palavras não têm amargura, mas decepção. Que sejam elas um castigo moral para quem traiu seu juramento: soldados do Chile, comandantes-em-chefe titulares, o almirante Merino, que se autodesignou comandante da Armada, e o senhor Mendoza, general rastejante que ainda ontem manifestara sua fidelidade e lealdade ao Governo, e que também se autodenominou diretor geral dos carabineros.
Diante destes fatos só me cabe dizer aos trabalhadores: Não vou renunciar! Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com minha vida a lealdade ao povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá ser ceifada definitivamente. [Eles] têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos.
Trabalhadores de minha Pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra em que respeitaria a Constituição e a lei, e assim o fez.
Neste momento definitivo, o último em que eu poderei dirigir-me a vocês, quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, unidos à reação criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem sua tradição, que lhes ensinara o general Schneider e reafirmara o comandante Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje estará esperando com as mãos livres, reconquistar o poder para seguir defendendo seus lucros e seus privilégios.
Dirijo-me a vocês, sobretudo à mulher simples de nossa terra, à camponesa que nos acreditou, à mãe que soube de nossa preocupação com as crianças. Dirijo-me aos profissionais da Pátria, aos profissionais patriotas que continuaram trabalhando contra a sedição auspiciada pelas associações profissionais, associações classistas que também defenderam os lucros de uma sociedade capitalista. Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram e deram sua alegria e seu espírito de luta.
Dirijo-me ao homem do Chile, ao operário, ao camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos, porque em nosso país o fascismo está há tempos presente; nos atentados terroristas, explodindo as pontes, cortando as vias férreas, destruindo os oleodutos e os gasodutos, frente ao silêncio daqueles que tinham a obrigação de agir. Estavam comprometidos. A história os julgará.
Seguramente a Rádio Magallanes será calada e o metal tranqüilo de minha voz não chegará mais a vocês. Não importa. Vocês continuarão a ouvi-la. Sempre estarei junto a vocês. Pelo menos minha lembrança será a de um homem digno que foi leal à Pátria. O povo deve defender-se, mas não se sacrificar. O povo não deve se deixar arrasar nem tranqüilizar, mas tampouco pode humilhar-se.
Trabalhadores de minha Pátria, tenho fé no Chile e seu destino. Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.
Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores! Estas são minhas últimas palavras e tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza de que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a covardia e a traição."

Um comentário:

Cássio Augusto disse...

Não nos calarão!

Enquanto os ideais "esquerdistas" ainda sobreviverem em pessoas como nós a Veja e seus seguidores tentarão nos calar.

Nosso trabalho tem um alcance limitado? É verdade. Mas não iremos nos calar.

"Até a vitória sempre!"