3.3.08

Pelas ruas de Havana

Nos períodos de folga em Cuba, passeamos livremente pelas "calles". Embora haja uma distinção nos serviços oferecidos aos turistas e aos cubanos não é difícil burlar os esquemas, uma vez que não existe rigidez nos controles.
O primeiro impacto é a arquitetura de Havana Velha. Deslumbrante!
O movimento de pessoas é intenso. Oferecem charutos, rum, afrodisíacos e outros “remédios”. Conversar com estas pessoas leva-nos a compreender melhor o período que o país atravessa. A conversa acontece fácil e com muita franqueza. Vários deles dominam mais de um idioma além do espanhol. São sempre atenciosos e simpáticos.
Encontramos muitas pessoas apaixonadas pelo "Sistema", defensores ardorosos da Revolução. Neste grupo estão principalmente aqueles que sentiram mais de perto as agruras de antes da Revolução. Entre os mais jovens há uma unanimidade: adoram CHÊ; muitos criticam o "Sistema", no tocante a ausência de liberdades individuais e a incapacidade de prover bens de consumo (principalmente roupas e tênis).
Deste segundo grupo é ilustrativo meu diálogo com um jovem nas proximidades do Centro de Convenções Pedagógicas. Ele me apontou muitos dramas para pessoas de sua faixa etária: dinheiro, moradia, sair do país etc. Demonstrou muita revolta, apesar de livrar a barra do Fidel, "a culpa do que acontece em Cuba é de seus assessores", disse o jovem.
Ele mora com sua avó, que é da "Santeira", equivalente na nossa umbanda à dona de terreiro, e uma irmã. Infelizmente no dia marcado para irmos a sua casa não foi possível, pois ele e um grupo de amigos foram presos por estarem "borrachos", às vésperas do Congresso Pedagogia 97, oferecendo charutos e rum em plena Vila Pan-americana.
Aos 17 anos tentou fugir e por isso foi preso por 2 anos. Ao sair tentou ingressar na Universidade, mas foi barrado, segundo seu depoimento, por ser "ingrato" com o "Sistema".
Diz ainda que sua noiva já fez três abortos, em razão de não terem possibilidade de casar, pois não têm casa. Esse detalhe é exemplar do problema habitacional existente em Cuba. Quando o questionei sobre métodos de contracepção ele alegou que os preservativos não são de boa qualidade e "incomodam".
Também ouvimos problemas relatados por motoristas de táxi (particulares) e vendedores.
Os problemas apontados por estas pessoas não são negados por aquelas outras. Mesmo nas defesas mais apaixonadas da Revolução não negam os problemas existentes na Ilha, mas dizem que as compensações são maiores, apontam o papel exercido pelos Estados Unidos – principalmente quanto ao Bloqueio – como fundamental para estes aspectos negativos.
Entre as pessoas que trabalharam diretamente conosco, ligadas ao Centro de Convenções Pedagógicas, também aparece esta clareza: os problemas não são negados.
Independente dos depoimentos o que mais me chocou foi a prostituição. Em Havana ela é descarada, chegando a ser agressiva, não só aos olhos.
Alegam os cubanos que, se acaso governo resolvesse por fim a prostituição o faria com muita presteza, usando da repressão, mas nestes tempos de abertura para o mundo, com o turismo assumindo o caráter de principal atividade econômica de Cuba, isso não pode ser feito. A repressão deve ser substituída pela educação, sob pena de se criar uma atividade nitidamente criminosa ao invés de coibir um problema econômico.
Dizem aqueles defensores da Revolução que em Cuba a população não passa por necessidades, sendo garantido a todas as pessoas a alimentação, educação, saúde, moradia, etc., mas sofre por não poder satisfazer desejos (considerados legítimos) tais como: roupas, tênis, eletrodomésticos, automóveis, ou coisas mais simples como "chicles" e "caramelitos".
Partilho desta opinião. Mesmo porque seria impossível a um povo faminto demonstrar a alegria que vimos nas ruas de Cuba, mesmo no "Camello" (ônibus) superlotado, na fila da gasolina ou da sorveteria.

(este texto foi escrito em março de 1997)

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