O deputado Ivan Valente publicou o artigo que segue abaixo na Folha de S.Paulo de hoje, sexta-feira, 14/3/08.
Faz críticas acertadas aos governos estadual e federal quanto à educação, particularmente com relação à entrevista da Secretária de Educação do Estado de São Paulo, Maria Helena Castro, concedida recentemente à revista Veja (clique aqui para ler a entrevista).
No aspecto relativo às avaliações gostaria de salientar que estas, sejam estaduais ou federais, pecam por não dizer claramente, com exceção do ENEM, o que será avaliado.
A possibilidade premiações individualizadas soa totalmente absurda e antidemocrática. Atribuir ao professor a responsabilidade única pelo sucesso ou fracasso do aluno é coisa de gente doida ou muito mal intencionada.
Premiação e castigo na educação
IVAN VALENTE
A política de avaliações sucessivas e de bolsas e bônus de baixo valor não resolverá a grave crise da educação e poderá agravá-la
AS MEDIDAS adotadas pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo têm sido ungidas como a "salvação da lavoura", particularmente a premiação com bônus financeiro para diretores, professores e funcionários, com base especialmente em exames de avaliação de alunos, como o Saresp.
A secretária Maria Helena Castro, em entrevista à revista "Veja", disse que é preciso liquidar alguns mitos na educação. Para ela são mitos: que deve haver isonomia salarial entre professores, que melhores salários levam à melhoria do ensino, que o número de alunos por sala de aula interfere na qualidade do aprendizado, que a escola pública é carente de recursos. Para a secretária, nossos educadores ganham bem, e os recursos educacionais são suficientes. Maria Helena sentenciou que fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, inclusive USP e Unicamp, porque elas se prestam ao "desserviço" de divulgar esses mitos.
Os tucanos estiveram oito anos no governo central e governam São Paulo há 13. FHC vetou o dispositivo do Plano Nacional de Educação que elevava o gasto público com educação de 3,7% para 7% do PIB. Criaram um pseudo-sistema nacional de avaliação para esconder a política de corte dos recursos. Seu objetivo sempre foi diminuir o papel do Estado e atribuir-lhe papel apenas regulatório.
Que resultado o país pode exibir nesses últimos 13 anos que não seja a constatação da péssima qualidade do nosso ensino, da degradação das condições de nossos educadores, do retrato cruel do analfabetismo funcional de 60 milhões de brasileiros? As políticas de fundos para a educação de FHC e de Lula não passam de socialização da miséria. Alguém acredita que o suplemento da União a Estados e municípios, de apenas R$1 bilhão ao ano de recursos novos nos próximos quatro anos, para um universo de 50 milhões de estudantes da educação básica, resultará em algum impacto real na qualidade de ensino?
Podemos nos fiar que a instituição de um piso salarial para o magistério brasileiro de pouco mais de R$ 450 por 20 horas semanais estimule a carreira? Enquanto isso, o país desembolsa R$160 bilhões por ano em juros da dívida pública.
Maria Helena, ao afirmar que o número de alunos por sala de aula é irrelevante para a qualidade da aprendizagem, lembra-nos o documento do Banco Mundial, sua bíblia, que afirma que "nos países de baixa e média renda é necessário diminuir o número de professores, aumentar o número de alunos em sala de aula e utilizar novas tecnologias educacionais". Em São Paulo, há até 65 alunos por sala de aula, quando o recomendado pela Unesco é de no máximo 35 alunos. Para o Banco Mundial, professor é encargo.
Só quem não conhece a realidade da sala de aula e suas brutais precariedades pode achar que os problemas centrais da educação pública são falta de liderança, falhas de gestão e professores faltosos. Esses problemas certamente existem e devem ser atacados e ter suas causas buscadas. Por isso, não dá para sofismar: não há melhora qualitativa na educação sem investimento público pesado na formação continuada de professores, salários dignos que resgatem sua auto-estima, infra-estrutura adequada e participação da comunidade nos rumos educacionais.
Essa política do governo Serra, hoje também aplicada em âmbito federal, de realizar avaliações sucessivas e superpostas com provas, provinhas e provões e, posteriormente, oferecer bolsas, bolsinhas e bônus de baixo valor, estabelecendo concorrência entre escolas e entre professores, numa lógica de mercado, não resolverá em absoluto nossa grave crise educacional – possivelmente, a agravará.
Alguns efeitos previsíveis dessa política de premiação e punição devem se revelar. A vinculação dos recursos ao desempenho dos alunos tende a afastar das escolas que atendem a alunos mais carentes os melhores professores, pois estes sabem que essas crianças apresentam pior desempenho em testes padronizados. Outro efeito é que tenderá a haver uma corrida para as escolas com melhor desempenho da parte de alunos com notas mais elevadas, cuja presença é benéfica para o conjunto da turma. Fica explícito, assim, que esse tipo de política só tende a aumentar a distância dos desempenhos obtidos pelos alunos da mesma rede.
Mito mesmo é acreditar que o papel do Estado é estimular a produção de qualidade por meio de comparação, classificação e seleção, cujo efeito é produzir mais exclusão. Algo incompatível com o dito constitucional: Educação é dever do Estado e direito do cidadão.
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IVAN VALENTE, 61, engenheiro mecânico, é deputado federal pelo PSOL-SP e membro da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados.
Faz críticas acertadas aos governos estadual e federal quanto à educação, particularmente com relação à entrevista da Secretária de Educação do Estado de São Paulo, Maria Helena Castro, concedida recentemente à revista Veja (clique aqui para ler a entrevista).
No aspecto relativo às avaliações gostaria de salientar que estas, sejam estaduais ou federais, pecam por não dizer claramente, com exceção do ENEM, o que será avaliado.
A possibilidade premiações individualizadas soa totalmente absurda e antidemocrática. Atribuir ao professor a responsabilidade única pelo sucesso ou fracasso do aluno é coisa de gente doida ou muito mal intencionada.
Premiação e castigo na educação
IVAN VALENTE
A política de avaliações sucessivas e de bolsas e bônus de baixo valor não resolverá a grave crise da educação e poderá agravá-la
AS MEDIDAS adotadas pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo têm sido ungidas como a "salvação da lavoura", particularmente a premiação com bônus financeiro para diretores, professores e funcionários, com base especialmente em exames de avaliação de alunos, como o Saresp.
A secretária Maria Helena Castro, em entrevista à revista "Veja", disse que é preciso liquidar alguns mitos na educação. Para ela são mitos: que deve haver isonomia salarial entre professores, que melhores salários levam à melhoria do ensino, que o número de alunos por sala de aula interfere na qualidade do aprendizado, que a escola pública é carente de recursos. Para a secretária, nossos educadores ganham bem, e os recursos educacionais são suficientes. Maria Helena sentenciou que fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, inclusive USP e Unicamp, porque elas se prestam ao "desserviço" de divulgar esses mitos.
Os tucanos estiveram oito anos no governo central e governam São Paulo há 13. FHC vetou o dispositivo do Plano Nacional de Educação que elevava o gasto público com educação de 3,7% para 7% do PIB. Criaram um pseudo-sistema nacional de avaliação para esconder a política de corte dos recursos. Seu objetivo sempre foi diminuir o papel do Estado e atribuir-lhe papel apenas regulatório.
Que resultado o país pode exibir nesses últimos 13 anos que não seja a constatação da péssima qualidade do nosso ensino, da degradação das condições de nossos educadores, do retrato cruel do analfabetismo funcional de 60 milhões de brasileiros? As políticas de fundos para a educação de FHC e de Lula não passam de socialização da miséria. Alguém acredita que o suplemento da União a Estados e municípios, de apenas R$1 bilhão ao ano de recursos novos nos próximos quatro anos, para um universo de 50 milhões de estudantes da educação básica, resultará em algum impacto real na qualidade de ensino?
Podemos nos fiar que a instituição de um piso salarial para o magistério brasileiro de pouco mais de R$ 450 por 20 horas semanais estimule a carreira? Enquanto isso, o país desembolsa R$160 bilhões por ano em juros da dívida pública.
Maria Helena, ao afirmar que o número de alunos por sala de aula é irrelevante para a qualidade da aprendizagem, lembra-nos o documento do Banco Mundial, sua bíblia, que afirma que "nos países de baixa e média renda é necessário diminuir o número de professores, aumentar o número de alunos em sala de aula e utilizar novas tecnologias educacionais". Em São Paulo, há até 65 alunos por sala de aula, quando o recomendado pela Unesco é de no máximo 35 alunos. Para o Banco Mundial, professor é encargo.
Só quem não conhece a realidade da sala de aula e suas brutais precariedades pode achar que os problemas centrais da educação pública são falta de liderança, falhas de gestão e professores faltosos. Esses problemas certamente existem e devem ser atacados e ter suas causas buscadas. Por isso, não dá para sofismar: não há melhora qualitativa na educação sem investimento público pesado na formação continuada de professores, salários dignos que resgatem sua auto-estima, infra-estrutura adequada e participação da comunidade nos rumos educacionais.
Essa política do governo Serra, hoje também aplicada em âmbito federal, de realizar avaliações sucessivas e superpostas com provas, provinhas e provões e, posteriormente, oferecer bolsas, bolsinhas e bônus de baixo valor, estabelecendo concorrência entre escolas e entre professores, numa lógica de mercado, não resolverá em absoluto nossa grave crise educacional – possivelmente, a agravará.
Alguns efeitos previsíveis dessa política de premiação e punição devem se revelar. A vinculação dos recursos ao desempenho dos alunos tende a afastar das escolas que atendem a alunos mais carentes os melhores professores, pois estes sabem que essas crianças apresentam pior desempenho em testes padronizados. Outro efeito é que tenderá a haver uma corrida para as escolas com melhor desempenho da parte de alunos com notas mais elevadas, cuja presença é benéfica para o conjunto da turma. Fica explícito, assim, que esse tipo de política só tende a aumentar a distância dos desempenhos obtidos pelos alunos da mesma rede.
Mito mesmo é acreditar que o papel do Estado é estimular a produção de qualidade por meio de comparação, classificação e seleção, cujo efeito é produzir mais exclusão. Algo incompatível com o dito constitucional: Educação é dever do Estado e direito do cidadão.
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IVAN VALENTE, 61, engenheiro mecânico, é deputado federal pelo PSOL-SP e membro da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados.
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