O portal da BBC Brasil faz uma interessante discussão sobre a capacidade de o Brasil liderar a América do Sul.
Na verdade ela produz um Especial com o título de BRASIL: GIGANTE VIZINHO. Uma série de matérias – textos e vídeos – sobre o papel do Brasil no subcontinente.
Material de primeira qualidade, vejam:
Para América do Sul, liderança brasileira ainda é promessa
Com metade do PIB do continente e uma extensão territorial que lhe garante fronteira com nove dos seus 11 vizinhos, o Brasil é visto na América do Sul como um potencial líder da região. Mas essa liderança brasileira, intencional ou não, é considerada apenas uma promessa.
"Eu acho que o Brasil tem o papel de grande integrador", diz o ministro do Exterior do Peru, José António Garcia Belaunde, que acrescenta: o país "poderia fazer mais (…) com mais iniciativa e, obviamente, mais investimento".
As palavras do ministro peruano sintetizam um sentimento generalizado identificado pela reportagem da BBC Brasil, que esteve nos outros 11 países da América do Sul para ouvir de políticos, empresários e cidadãos comuns o que eles pensam do seu gigante vizinho.
Há quem considere difícil o Brasil aumentar sua influência regional, mas é comum a opinião de que a maior potência sul-americana deveria fazer mais pelo continente, idéia defendida pelo ex-ministro da Defesa colombiano Rafael Pardo.
"Francamente (as aspirações de liderança brasileira), deveriam ser mais ativas. A idéia da união sul-americana ficou débil, o Brasil parece ter perdido o entusiasmo em relação a essa idéia, e acho que é necessário entusiasmo para a América do Sul ter um processo de integração mais dinâmico do que o tem tido até agora", avalia.
A posição de liderança e a própria necessidade de um líder regional são ainda tabus para o governo brasileiro. Em 2003, no início do seu primeiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, em um discurso diante de novos diretores da hidrelétrica de Itaipu, que o continente pedia por uma liderança vinda de Brasília. "É impressionante como todos esses países estão quase a exigir que o Brasil lidere a América do Sul."
Cobrança
Mas a frase causou um certo mal-estar, já que, desde que começou a trabalhar por um projeto de integração sul-americana, no início dos anos 90, a diplomacia brasileira tem negado uma intenção explícita de liderar a região – uma idéia que poderia desagradar a vizinhos e atrapalhar o processo. Hoje o próprio Lula evita qualquer menção a uma liderança brasileira e sempre que pode repete que a América do Sul "não precisa de um líder".
Porém o fato é que a maior parte das nações sul-americanas continua a ver o Brasil como o país com o maior potencial para promover a integração regional, apesar de considerar que tal potencial ainda não esteja sendo totalmente aproveitado.
Pilares
A integração sul-americana passa atualmente passa pela construção de dois grandes pilares: o econômico e o político. Do ponto de vista econômico, uma das questões que mais geram críticas ao Brasil é a relação comercial.
O mercado de consumo brasileiro é cobiçado por todos os vizinhos e apontado como um dos fatores que mais poderiam favorecer a união regional. No entanto, o Brasil ainda é um dos países mais fechados da região e mantém superávits comerciais com praticamente todo os outros países sul-americanos.
"Em 1991, pensávamos que o nosso acesso a um mercado ampliado permitiria que várias empresas de outras partes do mundo se instalassem no Uruguai", diz José Manuel Quijano, diretor da Comissão Setorial para Mercosul do Uruguai. "Mas isso não se concretizou."
Para Quijano, uma das explicações para a frustração uruguaia está na incerteza em relação ao acesso ao mercado brasileiro. Apesar de ter sustentado déficits com o Uruguai por vários anos desde o início da década de 90, o Brasil tem apresentado superávit com sua antiga Província Cisplatina desde 2004. Em 2006, o Brasil vendeu ao Uruguai quase o dobro do que importou: US$ 1 bilhão contra US$ 640 milhões.
Esse é um processo que se repete na relação com a maioria dos outros países. Hoje o Brasil vende quase dez vezes mais do que compra da Venezuela e quase cinco vezes mais do que importa da Colômbia. Desde problemas de regulamentação alfandegária até a barreira com a língua e a infra-estrutura são apontados como empecilho para se vender mais ao gigante vizinho.
Da ótica de vários especialistas, políticos e diplomatas de outros países da região, a balança comercial é apenas uma das faces do problema. Alguns acreditam que o Brasil não pode se dedicar mais à solução de problemas regionais por causa dos seus próprios desafios.
"O dilema político do Brasil é que (o país) tem todas as condições para ser um líder regional e, em muitos casos, exerce essa liderança no nível político", diz Dante Sica, presidente da consultoria argentina Abeceb, especializada nas relações entre os dois maiores países da região. "Porém o país não tem todos os atributos de um líder, porque tem muitos problemas internos."
Problemas
Na opinião de Sica, tais problemas afetam a capacidade brasileira de investir na região. Para ele, é difícil para o Brasil tomar a decisão política de colocar a mão no bolso para acabar com assimetrias com alguns vizinhos menores. “Como Lula pode ajudar o Paraguai (…) e não dar dinheiro para o Nordeste?”, pergunta.
Como resultado, muitos vêem o Brasil como uma espécie de tigre sem dentes: uma nação que deveria colocar mais dinheiro nas estradas do Peru, pagar mais pela energia comprada dos vizinhos, ajudar em projetos de desenvolvimento sustentável no Equador, mas que não consegue, ou não quer, fazer isso.
Espaços vazios
Nessa espécie de vácuo deixado pelo Brasil, pela primeira vez desde o fortalecimento da idéia de integração um país passou a ocupar espaços na busca por liderança. Com os cofres cheios de petrodólares, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, tem feito em relação a alguns países da região aquilo que o gigante do continente não consegue.
“Acredito que Lula compreendeu apenas recentemente que não pode deixar o cenário latino-americano (e a América Sul) coberto somente pela vigorosa figura de Hugo Chávez”, afirma o ex-ministro do Planejamento venezuelano Teodoro Petkoff, opositor a Chávez.
Para ele, a capacidade do presidente da Venezuela de ameaçar a posição brasileira na integração regional é superdimensionada, especialmente pelos Estados Unidos. Mas ele acredita que o Brasil precisa se dedicar mais para servir de contraponto à posição de Chávez.
A dúvida de muitos é se Venezuela e Brasil disputam uma posição de liderança ou podem trabalhar juntos para o bem da região. Com a chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva, havia quem esperasse ou temesse uma maior aproximação entre os dois países.
Mas a mais recente crise política envolvendo Equador e Colômbia mostrou diferenças claras de ação entre Brasil e Venezuela: o governo brasileiro acionou sua diplomacia, enquanto Caracas mobilizou tropas.
O alívio da crise, obtido no âmbito de negociações na Organização dos Estados Americanos (OEA), também mostrou que o Brasil não é uma superpotência que pode impor soluções sozinha, posição que o próprio governo brasileiro diz nunca ter buscado.
Além disso, na reunião do Grupo do Rio, que selou definitivamente o fim da crise, Lula não estava presente, tendo enviado o ministro Celso Amorim para representá-lo. Coube à argentina Cristina Kirchner e a Hugo Chávez o papel de mediadores na reunião de chefes de governo.
Confrontado com as demandas, o governo brasileiro cita o que considera sucessos e avanços na integração e na atuação brasileira na América do Sul. Dessa lista fazem parte a evolução, mesmo que lenta, da infra-estrutura física, a conclusão de acordos de livre comércio, a criação da Comunidade Sul-Americana das Nações, hoje Unasul, e a criação do Banco do Sul – uma proposta de Chávez abraçada com relutância pelo Brasil.
Aos críticos, a resposta brasileira é que uma integração continental não acontece rapidamente nem sem percalços. Mas inúmeras vozes na América do Sul dizem que, após quase duas décadas de esforços para integrar a região, a liderança brasileira, assim como a formação de um bloco sul-americano, continua no campo das promessas.
* Colaboraram Alessandra Correa (Bolívia e Paraguai), Andrea Wellbaum (Argentina e Uruguai), Daniel Gallas (Venezuela), Márcia Freitas (Peru e Chile) e Pablo Uchoa (Colômbia e Equador)
Veja mais no portal da BBC Brasil.
Na verdade ela produz um Especial com o título de BRASIL: GIGANTE VIZINHO. Uma série de matérias – textos e vídeos – sobre o papel do Brasil no subcontinente.
Material de primeira qualidade, vejam:
Para América do Sul, liderança brasileira ainda é promessa
Com metade do PIB do continente e uma extensão territorial que lhe garante fronteira com nove dos seus 11 vizinhos, o Brasil é visto na América do Sul como um potencial líder da região. Mas essa liderança brasileira, intencional ou não, é considerada apenas uma promessa.
"Eu acho que o Brasil tem o papel de grande integrador", diz o ministro do Exterior do Peru, José António Garcia Belaunde, que acrescenta: o país "poderia fazer mais (…) com mais iniciativa e, obviamente, mais investimento".
As palavras do ministro peruano sintetizam um sentimento generalizado identificado pela reportagem da BBC Brasil, que esteve nos outros 11 países da América do Sul para ouvir de políticos, empresários e cidadãos comuns o que eles pensam do seu gigante vizinho.
Há quem considere difícil o Brasil aumentar sua influência regional, mas é comum a opinião de que a maior potência sul-americana deveria fazer mais pelo continente, idéia defendida pelo ex-ministro da Defesa colombiano Rafael Pardo.
"Francamente (as aspirações de liderança brasileira), deveriam ser mais ativas. A idéia da união sul-americana ficou débil, o Brasil parece ter perdido o entusiasmo em relação a essa idéia, e acho que é necessário entusiasmo para a América do Sul ter um processo de integração mais dinâmico do que o tem tido até agora", avalia.
A posição de liderança e a própria necessidade de um líder regional são ainda tabus para o governo brasileiro. Em 2003, no início do seu primeiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, em um discurso diante de novos diretores da hidrelétrica de Itaipu, que o continente pedia por uma liderança vinda de Brasília. "É impressionante como todos esses países estão quase a exigir que o Brasil lidere a América do Sul."
Cobrança
Mas a frase causou um certo mal-estar, já que, desde que começou a trabalhar por um projeto de integração sul-americana, no início dos anos 90, a diplomacia brasileira tem negado uma intenção explícita de liderar a região – uma idéia que poderia desagradar a vizinhos e atrapalhar o processo. Hoje o próprio Lula evita qualquer menção a uma liderança brasileira e sempre que pode repete que a América do Sul "não precisa de um líder".
Porém o fato é que a maior parte das nações sul-americanas continua a ver o Brasil como o país com o maior potencial para promover a integração regional, apesar de considerar que tal potencial ainda não esteja sendo totalmente aproveitado.
Pilares
A integração sul-americana passa atualmente passa pela construção de dois grandes pilares: o econômico e o político. Do ponto de vista econômico, uma das questões que mais geram críticas ao Brasil é a relação comercial.
O mercado de consumo brasileiro é cobiçado por todos os vizinhos e apontado como um dos fatores que mais poderiam favorecer a união regional. No entanto, o Brasil ainda é um dos países mais fechados da região e mantém superávits comerciais com praticamente todo os outros países sul-americanos.
"Em 1991, pensávamos que o nosso acesso a um mercado ampliado permitiria que várias empresas de outras partes do mundo se instalassem no Uruguai", diz José Manuel Quijano, diretor da Comissão Setorial para Mercosul do Uruguai. "Mas isso não se concretizou."
Para Quijano, uma das explicações para a frustração uruguaia está na incerteza em relação ao acesso ao mercado brasileiro. Apesar de ter sustentado déficits com o Uruguai por vários anos desde o início da década de 90, o Brasil tem apresentado superávit com sua antiga Província Cisplatina desde 2004. Em 2006, o Brasil vendeu ao Uruguai quase o dobro do que importou: US$ 1 bilhão contra US$ 640 milhões.
Esse é um processo que se repete na relação com a maioria dos outros países. Hoje o Brasil vende quase dez vezes mais do que compra da Venezuela e quase cinco vezes mais do que importa da Colômbia. Desde problemas de regulamentação alfandegária até a barreira com a língua e a infra-estrutura são apontados como empecilho para se vender mais ao gigante vizinho.
Da ótica de vários especialistas, políticos e diplomatas de outros países da região, a balança comercial é apenas uma das faces do problema. Alguns acreditam que o Brasil não pode se dedicar mais à solução de problemas regionais por causa dos seus próprios desafios.
"O dilema político do Brasil é que (o país) tem todas as condições para ser um líder regional e, em muitos casos, exerce essa liderança no nível político", diz Dante Sica, presidente da consultoria argentina Abeceb, especializada nas relações entre os dois maiores países da região. "Porém o país não tem todos os atributos de um líder, porque tem muitos problemas internos."
Problemas
Na opinião de Sica, tais problemas afetam a capacidade brasileira de investir na região. Para ele, é difícil para o Brasil tomar a decisão política de colocar a mão no bolso para acabar com assimetrias com alguns vizinhos menores. “Como Lula pode ajudar o Paraguai (…) e não dar dinheiro para o Nordeste?”, pergunta.
Como resultado, muitos vêem o Brasil como uma espécie de tigre sem dentes: uma nação que deveria colocar mais dinheiro nas estradas do Peru, pagar mais pela energia comprada dos vizinhos, ajudar em projetos de desenvolvimento sustentável no Equador, mas que não consegue, ou não quer, fazer isso.
Espaços vazios
Nessa espécie de vácuo deixado pelo Brasil, pela primeira vez desde o fortalecimento da idéia de integração um país passou a ocupar espaços na busca por liderança. Com os cofres cheios de petrodólares, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, tem feito em relação a alguns países da região aquilo que o gigante do continente não consegue.
“Acredito que Lula compreendeu apenas recentemente que não pode deixar o cenário latino-americano (e a América Sul) coberto somente pela vigorosa figura de Hugo Chávez”, afirma o ex-ministro do Planejamento venezuelano Teodoro Petkoff, opositor a Chávez.
Para ele, a capacidade do presidente da Venezuela de ameaçar a posição brasileira na integração regional é superdimensionada, especialmente pelos Estados Unidos. Mas ele acredita que o Brasil precisa se dedicar mais para servir de contraponto à posição de Chávez.
A dúvida de muitos é se Venezuela e Brasil disputam uma posição de liderança ou podem trabalhar juntos para o bem da região. Com a chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva, havia quem esperasse ou temesse uma maior aproximação entre os dois países.
Mas a mais recente crise política envolvendo Equador e Colômbia mostrou diferenças claras de ação entre Brasil e Venezuela: o governo brasileiro acionou sua diplomacia, enquanto Caracas mobilizou tropas.
O alívio da crise, obtido no âmbito de negociações na Organização dos Estados Americanos (OEA), também mostrou que o Brasil não é uma superpotência que pode impor soluções sozinha, posição que o próprio governo brasileiro diz nunca ter buscado.
Além disso, na reunião do Grupo do Rio, que selou definitivamente o fim da crise, Lula não estava presente, tendo enviado o ministro Celso Amorim para representá-lo. Coube à argentina Cristina Kirchner e a Hugo Chávez o papel de mediadores na reunião de chefes de governo.
Confrontado com as demandas, o governo brasileiro cita o que considera sucessos e avanços na integração e na atuação brasileira na América do Sul. Dessa lista fazem parte a evolução, mesmo que lenta, da infra-estrutura física, a conclusão de acordos de livre comércio, a criação da Comunidade Sul-Americana das Nações, hoje Unasul, e a criação do Banco do Sul – uma proposta de Chávez abraçada com relutância pelo Brasil.
Aos críticos, a resposta brasileira é que uma integração continental não acontece rapidamente nem sem percalços. Mas inúmeras vozes na América do Sul dizem que, após quase duas décadas de esforços para integrar a região, a liderança brasileira, assim como a formação de um bloco sul-americano, continua no campo das promessas.
* Colaboraram Alessandra Correa (Bolívia e Paraguai), Andrea Wellbaum (Argentina e Uruguai), Daniel Gallas (Venezuela), Márcia Freitas (Peru e Chile) e Pablo Uchoa (Colômbia e Equador)
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